O Referendo do Kurdistão

TUDO OCUPADO! NÃO HÁ MAIS ESPAÇO NO MUNDO!

 

Sem pretensões de falar de História ou de Ciência Política tenho desde há uns tempos acompanhado, com  curiosidade, a evolução da vida mais recente dos curdos e das suas vicissitudes.
Estamos a falar de cerca de 30 milhões de pessoas, na sua maioria muçulmanos sunitas, falando uma língua própria, o curdo. Ocupam , no médio oriente, uma área aproximada de 500.000 km2, a que normalmente se chama de “Região Geocultural”, estendendo-se por 4 países contíguos: Iraque, Irão, Turquia e Síria. Organizam-se em tribos e constituem a “mais numerosa nação do mundo sem Estado”.

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Embora o seu  “território”  esteja inserido, principalmente, no Iraque do Norte consideram Erbil a sua cidade capital e beneficiam de vantagens importantes decorrentes de acordos que têm, nas décadas mais recentes, negociado com o governo de Baghdad. Zona fundamental para os curdos, a região de Kirkuk (controlada desde 2014) é riquíssima em petróleo e é daí que a Turquia importa quantidades importantes de combustível. As receitas dessas operações ficam, em grande parte, à disposição do “governo” do Curdistão, cujo efetivo Presidente é Massoud Barzani.

Os curdos decidiram realizar um referendo para discutirem a sua independência. Mais de 92% de curdos e não-curdos votaram pela sua  autonomia  do Iraque.  A campanha foi vivíssima e muito concorrida.

 

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Este plebiscito tinha sido sempre recusado pela Nações Unidas , pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido  (só não se opuseram a Russia e Israel)  e as reações foram imediatas: bloqueamentos das fronteiras terrestres e aéreas e envio de tropas para a região.  A Turquia ameaçou interromper as relações comerciais com o Curdistão (um movimento que se situa nos 10 biliões de dólares)  mas  que seria altamente problemático para a Turquia.  Os ânimos estão expectantes.  O próprio Primeiro-Ministro iraquiano, Haidar al-Abadi, disse que não queria guerras entre “cidadão iraquianos”.  Pelo seu lado,  Barzani insiste em não querer avançar de imediato para a independência. Propõe negociações com Baghdad. Qual virá a ser o seguimento? É bom não esquecer que os curdos sempre têm apoiado militarmente os mais diversos interesses ocidentais e de países da região, em guerras em que muitos curdos morreram.

No caso de uma independência,  não podemos esquecer que os curdos estão implantados em territórios de quatro países e não será fácil, nada fácil, arranjar-lhes um “cantinho” com o qual todos fiquem satisfeitos. E a economia, meus senhores, e a economia?…

Há séculos e décadas atrás arranjavam-se países com alguma agilidade: ou pela força das armas ou nos pós-guerras em que as fronteiras eram desenhadas, pelos vencedores, a régua e esquadro. Esses métodos hoje estão ultrapassados. O mundo está cheio de leis e instituições que preservam o “stato-quo”.  Os nacionalismos históricos ou religiosos e as vontades temporais de populações  não recebem apoios fáceis. Porque há sempre outros poderes que sairiam prejudicados do “negócio”.

Para não falarmos nos casos mais recentes da Escócia e da Catalunha podemos observar quais os países que mais recentemente se formaram no mundo e porquê. Taiwan e a Palestina ainda não viram, desde há muito, os seus casos resolvidos. A Macedónia tornou-se independente e reconhecida em 1993, depois do desaparecimento da Jugoslávia. O território já existia. A República Checa e a Eslováquia resultaram, em 1993, da divisão da Checoslováquia. O território já existia.  A Eritreia, depois de fazer parte da Etiópia desde 1952, conseguiu, por meio de um referendo realizado pela ONU em 1990, obter a independência em 1993. O território já existia.  Palau que fazia parte do “Protetorado da Ilhas do Pacífico das Nações Unidas”, administrado pelos Estados Unidos, conseguiu a sua independência em 1994. Eram ilhas e existia o território.  Em 2002 Timor Leste ficou independente, um caso que os portugueses conhecem bem. A Sérvia e o Montenegro, depois de estarem juntos desde 1992, autonomizaram-se por meio de movimentos separatistas e ficaram independentes em 2006. O Kosovo veio a seguir aos anteriores e ficou independente em 2008. O Sudão do Sul autonomizou-se do Sudão, por razões de natureza étnica muito antigas e ficou independente em 2011.  É o país mais recente do mundo.

Mas os problemas das autonomizações ainda não acabaram. Para regiões ou populações que se queiram tornar independentes só há duas maneiras de chegar lá: ou com guerra ou com longuíssimas discussões políticas. Como o primeiro método não é, em princípio, recomendável, resta o segundo. E este leva eternidades. Porque os interesses económicos são inultrapassáveis e, pior que tudo, já não há terrenos livres no mundo. Está tudo ocupado. Esgotado!

O caso do Curdistão é, realmente, emblemático. E as instituições internacionais tentam não falar muito dele.

3 pensamentos sobre “O Referendo do Kurdistão

  1. Pingback: De Novo o Curdistão | Velhos são os trapos

  2. Um assunto muito interessante ! Preocupante, este mundo que não dorme, nem deixa ninguém descansado…! Afinal, o que tem sido todo este mundo, senão o palco de muitos e rocambolescos episódios de interesses internacionais ? Recordo muito bem, o desenrolar da Guerra da Coreia, que estando bastante longe de nós, nos empolgou sobremaneira. Tinha eu os meus 16 anos, quando comecei a aperceber-me, de que o final da 2ª Guerra, tinha sido apenas um virar de página, para um novo capítulo, de uma história que nunca mais acaba. E este assunto dos referendos, aliás muito bem exposto, como se tem verificado em todos os itens deste Blog, tornou-se quase numa banalização de pretensões a independências ” à la carte “, fomentados pelos interesses económicos das grandes potências. O nacionalismo, o bairrismo e as etnias, poderão ser, com algumas excepções, apenas a pedra, numa história de sopas de pedra. Vimos isso, com os casos já esquecidos dos Sudetas, que originou a invasão da Checoeslováquia pela forças nazis. Da sublevação do Biafra, do Catanga, da Tchetchénia. Da invasão do Tibete e de outros, de que não me lembro neste momento, para não falar das tentativas de separação de Cabinda, ainda tão fresco nas nossas memórias…! Penso, na forma sempre apressada e tumultuosa, em que foram feitas as descolonizações, na Ásia e em África, dando lugar a outros casos bem dramáticos, de que ainda hoje se sofre tremendamente, talvez com a excepção do caso de Goa. Penso, que se em meados do século passado, o mundo girou sobre um eixo de imoralidade obscena, ditada pelos interesses dos mais fortes, com anexações, invasões e influências de todo o género, este novo século em que ainda só demos uns pequenos beliscões, não irá ser melhor ! Apenas, os métodos se tornaram mais subterrâneos, mais sofisticados, e talvez menos palpáveis para nós, distraídos como normalmente andamos todos com outros assuntos…!

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