BIVALVES, MÚSICA E DESTROÇOS

 

Isto dos bivalves aprende-se nas Ciências Naturais, na adolescência, e usufrui-se, para quem gosta, ao longo da vida. Continuamos a lembrar-nos deles muito mais pelos sabores e  temperos do que pelas suas classificações biológicas. De entre todos os bivalves de que poderia falar, limito-me hoje a referir, como natural apreciador,  a conquilha algarvia. No entanto,   para envolver este tema com alguma qualidade científica (…) é indispensável relembrar que conquilha é o nome vulgar de bivalves da espécie Donax trunculus, do género Donax (nem com cábulas eu me ia lembrar de toda esta ciência…). Mas em termos práticos de degustação e como apreciador destes bivalves há também que chamar a atenção para o facto de,  na Costa da Caparica, onde os comi pela primeira vez, o seu nome ser “cadelinha”, enquanto que no Algarve tem outros dois nomes: no barlavento (zona de Lagos) são conhecidos por “condelipas” (reza a tradição que durante as invasões francesas um famoso Conde de Lippe se instalou em Lagos e se apaixonou gastronomicamente pelo bicho, que comia em quase  todas as refeições. Por isso o nome de “condelipa”). No sotavento algarvio, nas zonas mais pobres de Vila Real de Sto António e Monte Gordo,  foram e são chamadas de conquilhas. São fáceis de apanhar nos areais à beira  mar de onde os apanhadores as trazem para as suas casas e para os restaurantes,  onde servem de entrada obrigatória  a qualquer refeição que se preze para aquelas bandas.

Mas não é só pelas conquilhas que hoje venho à liça pelo sotavento algarvio ou, digamos com mais abrangência, pelo Algarve. Foi com alegria que li que Loulé vai ter a primeira escola pública de música do Algarve.  Só existem seis em todo o país, duas das quais em Lisboa. A de Loulé será a primeira a nascer a sul da capital.  Já funcionará no ano letivo de 2018/2019 e ficará instalada no Solar da Música Nova, edifício que faz parte da História da Cidade.  A escola funcionará para os primeiro e segundo ciclos do ensino oficial (até ao 12º ano) e será um importante instrumento para o ensino artístico especializado.  Esta decisão conjunta do governo e da Câmara Municipal de Loulé é um passo da maior importância para o desenvolvimento cultural e artístico numa zona que sempre se tem batido por estas iniciativas, infelizmente nem sempre atendidas.  O Conservatório de Música de Loulé, como se passará a chamar, será, decerto, um polo fundamental para os alunos da região e um polo de atração para estudantes estrangeiros que venham, futuramente, a realizar ali os seus estudos.

Infelizmente nem em todos os setores da vida a região algarvia tem sido atendida nas grandes necessidades das suas populações. Falar do transporte ferroviário de Faro até Vila Real de Sto António (como já fiz por diversas vezes) é remontar quase ao século XIX, com carruagens velhas, degradadas, incómodas e com uma linha férrea que não permite velocidades acima dos 60 km/h (em dias felizes). E podemos falar ainda da malfadada estrada EN 125 ( a chamada rua do Algarve) que, nem de longe, pode ser considerada alternativa à A22 (via do Infante) na qual se pagam violentas portagens. Mas o troço da 125 entre Tavira e Vila Real de Sto António está praticamente em destroços. Há cartazes à beira da estrada (à semelhança do que se viu no filme premiado este ano em Hollywood) avisando os automobilistas dos buracos que vão surgir no pavimento. Parece que o governo já informou que as obras de recomposição desse troço se vão iniciar. Mas como até agora nada está feito suspeita-se que o verão (que começa já) irá trazer aos viajantes mais uns amortecedores danificados ou umas jantes torcidas.  E, se tal se confirmar, resta-nos regalarmo-nos com as conquilhas da região para esquecer os danos materiais dos veículos.

O Algarve tem sido, ao longo da sua História, terrivelmente desrespeitado pelas entidades nacionais. Atribui-se-lhe um estatuto quase de região autónoma e, por isso, vai ficando sempre para o fim nas opções nacionais. Excepto, claro, na recolha de receitas provenientes das iniciativas turísticas da região. Sempre tem havido algarvios ilustres ocupando lugares de decisão mas nem isso tem contribuido para as tais ajudas que tão necessárias se tornam.  Por outro lado,  os algarvios sempre se revelaram muito associativos localmente mas com pouca expressão e resiliência nos seus contactos com o exterior.

Por isso o Conservatório de Música de Loulé assume tanta importância para o Algarve,  para que os nativos não fiquem limitados às suas tão amadas conquilhas.

 

2 pensamentos sobre “BIVALVES, MÚSICA E DESTROÇOS

  1. As Quitetas…! Aquelas Quitetas, tão apreciadas no final da tarde, na Ilha de Luanda, acompanhadas por uma Cuca bem fresquinha…! É verdade…! Mais um nome para aqueles bivalves que nos fogem das mãos, entre a areia levantada pelos pés à beira-mar…!
    E aquele Algarve ? Aquele nosso Algarve por adopção, sempre tão mal estimado às vezes…?
    Nunca me apercebi de notícias, que nos levassem a pensar nos porquês de tanta procura por parte do turista estrangeiro, outrora habituado aos luxos das praias mediterrânicas, com casinos e hotéis altamente sofisticados. Um deles, foi-me dado por um documentário sobre o Mediterrâneo, com águas poluídas, a transformar-se rapidamente num mar morto, onde já dificilmente se pesca, não fora apenas aquelas nuvens negras da insegurança magrebiana.
    Não vou descrever os tormentos da 125, porque já é conhecido de todos, embora se deva falar e continuar a falar, até que as nossas vozes se façam ouvir nos gabinetes dos responsáveis. Mas, porque é que os Caminhos de Ferro, hão-de ser sempre os filhos bastardos das vias de comunicação ?
    Há pouco mais de quinze anos, a Linha do Algarve, foi totalmente ” renovada ” com material vindo da Linha do Norte, carril de 54 quilos, ainda em bom estado, sem a preocupação de grandes velocidades, que não era exigível. Mas, o material circulante ? A programação ? Os horários ? A oferta de comodidade e conforto ? A resposta foi : Nicles…!
    Depois de uma viagem confortável num Pendular, que nos leva até Faro, o que se nos oferece é um comboio mal cheiroso, sujo e sujeito a assaltos…! Um bom turismo para quem procura aventura…!
    Bom…! É melhor falarmos de quitetas ! Perdão…! De Donax trunculus, ao fim de uma tarde solarenta, no Pézinhos na Areia…!

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  2. O Algarve é uma das minas de ouro do nosso turismo, mas lastimavelmente nalguns importantes aspectos é esquecido pelas autoridades públicas. Em particular nas linhas ferroviárias, para mim um tipo de transporte público de excelência.
    Muito bem MMS por chamares a atenção para os casos

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