Neste tempo de interregno estival muitos se debruçam sobre livros recomendados para a época, livros já lidos há muitos anos e que lhes apetece agora relembrar, com as recordações a eles ligados, há jovens e adultos que se deixam hipnotizar pelos telemóveis ou “ipads” com que sempre se deslocam e se alheiam, muitas vezes, do mundo que os rodeia. Por curiosidade, uma estatística bem recente indica que um terço dos jovens americanos até aos 20 anos não lê um livro por ano. Preferem as redes sociais, a informação contínua, os jogos partilhados. O interregno estival é, pois, muito variado e as grandes regras para o veraneio estão, hoje, muito pulverizadas.
Mas não é este o tema que me traz aqui hoje. O que despertou as minhas cogitações foi o convencer-me que todos, independentemente das idades, têm recordações de factos passados, saborosas umas, mais amargas outras, mais recentes ou mais antigas conforme as idades dos “recordadores”. Curiosamente também , tenho verificado, ao longo dos anos, e as estatísticas confirmam-no, que as nossas recordações estão praticamente sempre ligadas a pessoas. Coisas mais pesadas que recordamos das nossas vidas apontam, quase que invariavelmente, para pessoas que a elas estiveram ligadas. É da natureza humana a pessoa suplantar os fenómenos que recordamos, tantas vezes tão íntimos que só depois nos apercebemos dessa realidade.
A título de exemplo e com maiores dimensões, quando relembramos o nazismo a pessoa que logo nos ocorre é Hitler, claro; o monumental esforço britânico na Segunda Guerra Mundial traz-nos à memória a figura de Churchill; o tremendismo das nossas guerras coloniais recorda-nos Salazar; os movimentos agregadores de paz talvez mais notáveis do século passado trazem-nos à memória Nelson Mandela, Mahatma Gandhi e muitos outros que me dispenso de enumerar. É esse o fenómeno e o encanto das recordações: lembram-nos pessoas e é isso que nos ajuda a preservar a continuidade dos nossos dias. Somos sociais, somos humanos. As partidas e brincadeiras da nossa juventude associamo-las a alguém do nosso tempo, que connosco conviveu.
Mas muitas dessas recordações transformam-se em saudade, sentimento bem diferente, apesar de tudo. Enquanto que as recordações nos agilizam o pensamento, as saudades criam-nos deslumbramentos ou nostalgias. Se apreciarmos com cuidado o que os grandes compositores e músicos de tempos passados ou presentes passaram para os seus textos, com mais ou menos poemas, claves ou frases quase que esculpidas, percebemos que, para além de recordações, eles exprimem as saudades (de pessoas, de locais, de paixões).
Curiosa esta minha saudade de escrever sobre as recordações que, neste período mais parado de verão, me têm assaltado com inusitada frequência. Não é da idade, mas sinto que é mais pelo respeito e veneração que as recordações me merecem e que, tantas delas, se transformam em saudades que acarinho. Não se passa isto convosco? É uma doença minha?…
Já não de lembro da pessoa que disse “recordar é viver “. As recordações ( as boas ) são muito agradáveis, mas viver é viver.
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Um assunto que me é bastante sensível…! As recordações, que nos dão força para superar as mudanças que não gostamos. As saudades, que nos melancolizam e nos enfraquecem. É o Outono, que se aproxima e se repete, fazendo-nos pensar, como tem sido bom acumularmos tanta experiência…!
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