AS ENGENHARIAS DOMÉSTICAS

Nos tempos que correm quase todos nós somos confrontados com a necessidade de adquirir um equipamento novo para mitigar os sempre cansativos trabalhos domésticos. Há muitos anos comprava-se uma vassoura para substituir outra já sem utilização possível ou um suporte-escorredor de pratos para aliviar a tragédia do pano para os secar. Tudo isso são factos que ainda continuam mas que, entretanto, foram ultrapassados por muito mais atuais dispositivos.

Todos nos lembramos dos móveis IKEA (sem intenção publicitária) quando compramos uma simples cadeira, empacotada numa sóbria caixa de cartão. O pior é quando, em casa, abrimos a caixa. São só paus e pequenas tábuas que somos obrigados a montar para obtermos a tal cadeira. Aquilo era barato, realmente, mas dava uma “chatice” enorme. Ainda se pode recorrer a esse processo mas, pelo menos, já estamos avisados. A empresa vende milhões desses “puzzles” por todo o mundo, a rapaziada já se habituou e o homem criador da ideia ficou milionário. Trata-se do sueco Ingvar Kamprad que utilizou as primeiras letras do seu nome para criação da marca. O senhor morreu em 2018, com 91 anos, deixando uma fortuna de mais de 43 biliões de dólares para os 4 filhos. Que, claro, nos continuam a torturar com as horas imensas de montagem dos moveizinhos empacotados. A IKEA é, no entanto, apesar destas sevícias impostas, a maior empresa fabricante de móveis em todo o mundo.

Mas esqueçamos a IKEA e voltemos ao mundo das realidades atuais. Recentemente vi-me obrigado a comprar um aspirador (trivial e sem pretensões) para substituir um já velhote que, apesar de tudo, aguentou mais de 30 anos. E, logo a seguir e por coincidência, comprei também um aparelhozinho pequenote e com pouco aparato para, imagine-se, facilitar o corte de legumes diversos em fatiazinhas fininhas. Tudo coisas de envolvência doméstica, claro.

Ao abrir as caixinhas de cartão para pôr os míseros equipamentos em funcionamento é que me lembrei, de novo, das aventuras IKEA. Tudo parecia fácil, até porque trazia uns livros de instruções em diversas línguas, menos num deles, que não as tinha em português. Lá recorri aos meus provectos conhecimentos de outras línguas e lá fui decifrando os segredos das montagens. Mas meus amigos, isto não é brincadeira nenhuma, é só para engenheiros ou para habilidosos apaixonados de montagens (que não é o meu caso). Tive que recorrer á primeira competência (já em fase de reformado) e lá fui conseguindo juntar uma peça com outra, retirar uma peça de um sítio e pô-la noutro (o boneco estava mal feito) até que, finalmente, ao fim de um tempo inimaginável lá consegui dar a missão por concluída . Mas, para mal dos meus pecados, vi, no fundo da caixa, uma anilha em borracha que, sem dúvida, iria fazer falta em qualquer sítio essencial. O livrinho de instruções nem falava nela e lá tive que ir á cautelosa desmontagem do que já tinha montado para, de repente , me aperceber do sítio onde ela podia fazer falta. E pu-la lá. E acertei. Depois, com cuidado, e pé-ante-pé, lá fui ligar o aspirador à corrente elétrica. E funcionou. Tinha terminado aquela minha missão à qual se seguiu um duche para refrescar.

Isto é, apenas, em modo humorístico, o que nos vai acontecendo ao longo da vida com tudo o que compramos e não venha já pronto a funcionar. Na idade moderna que vivemos os meios já são outros e muito mais sofisticados. A famosa IA (Inteligência Artificial) já nos diz como tudo se faz quando não é ela própria a fazer tudo. Mas, para isso, é preciso ter umas “aplicações “ digitais misteriosas a que só os mais sábios têm rápido acesso. Há gente nova que confraterniza diariamente com essas novas aplicações e que se riem com as nossa “lutas” de montagem doméstica. No boletim da Ordem dos Engenheiros vem, com frequência, em roda-pé, a frase que tudo define: “Não há vida sem engenharia”. Acho que têm razão, em todas as novas modalidades de engenharia entretanto criadas. E as novas abordagens tri-dimensionais vêm dar-lhe razão.

Mas desconfio muito que esses sábios da IA não levem quase o mesmo tempo que eu a montar uma mesinha de chá do IKEA. Isto é, evidentemente, o desabafo de alguém que teve, há bem pouco tempo, de passar por esse exame. Desculpem e montem a mesinha.

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