A propósito da situação na Síria, de Goutha, e da violência inaceitável

Todos os órgãos de informação nacionais e internacionais têm dado grande relevo à violência brutal instalada na Síria há já uns anos a esta parte; desta vez o realce é dado à região de Goutha oriental, com notícias, fotografias e reportagens impressionantes.

Sobre o tema, as expressões usadas para descrever o que ali se está passando, “O massacre do século XXI”, “Isto não é uma guerra, é um massacre”, “A situação em Goutha oriental parece o Juízo Final, e “Isto é o Inferno na Terra”, foram proferidas por médicos e outros responsáveis no terreno, a última pelo Secretário Geral da ONU.

As reportagens sobre as crianças ali feridas em resultado de bombardeamentos constantes são particularmente chocantes . Em particular pela expressão, em olhos inocentes, do medo e do terror perante a violência brutal incompreensível. Quem viu as imagens anteriormente difundidas de uma criança síria já sentada numa ambulância, com o rosto todo ensanguentado levando à cara a sua mão pequena para perceber o que ali sentia, metendo-a logo debaixo do seu pequeno corpo, nunca mais se esquece.

Pertenço à geração portuguesa que passou largos anos em África nos territórios então portugueses e que, por isso ficou a conhecer bem o que é a guerra e a violência que nela sempre impera, qualquer que seja a dimensão ou o local do conflito. Todos os que por lá andaram têm memória de imagens que hoje ainda perduram, e incomodam, também de olhares de crianças cheios de medo ou a chorar, como quando, entre outras situações, se invadia uma povoação à procura de armas e de elementos da guerrilha, ainda que muitas vezes não tivesse ali havido qualquer outro tipo de violência.

A presença humana nas zonas de guerra dos dois lados do conflito, é a garantia de que todos os intervenientes diretos veem o resultado do que cada um faz. Em consequência, cedo ou tarde sentem e reconhecem a responsabilidade, ou a culpa, da conduta nos incidentes que presenciam.

Nas guerras de hoje não é mais assim. No passado ocorreram violências extremas, mas que foram sempre vividas na proximidade de quem as executou, e que por isso teve logo consciência, e mal estar, individuais e coletivos, pelos excessos que eventualmente tivessem sido praticados. Foi assim nas Grandes Guerras Mundiais, em todas as guerras coloniais, e em outros conflitos de maior ou menor escala que tiveram lugar por todo o Mundo.

Hoje em dia tudo é desencadeado de longa distancia, procurando-se assim evitar problemas morais aos causadores de grandes destruições. E quando os média publicam imagens dos horrores no terreno, todos se desculpam com outros, ou afirmando com a maior desfaçatez que o que é mostrado é falso ou manipulado pelas outras partes envolvidas. Tem sido sempre assim no conflito da Síria; nunca se sabe quem fez o quê, se russos, se americanos, se turcos ou franceses, ou também sírios.

Atualmente, os bombardeamentos efetuados por aviões a grande altitude com bombas inteligentes, atingem alvos com muita precisão; mas as respetivas tripulações não veem a destruição que acabaram de causar. Na utilização de outros meios, como os misseis de longo alcance e os drones armados, todos são operados a partir de longas distancias, muitas vezes de outro continente; quem puxa o gatilho ou prime o botão e vai causar lá longe mortes e muita destruição, não vê os resultados do que acaba de fazer, e no fim do turno que lhe competiu irá descansadamente para casa. Mesmo se eventualmente depois vir imagens da destruição e mortes da zona que conhece por imagens, pensará com a maior probabilidade que foram outros que o fizeram. Ou seja, as grandes potencias, e todos os  pretendentes a essa classificação, procuram aniquilar rapidamente os adversários criando-lhes o  maior dano e destruição,  ao mesmo tempo cuidando que os executantes estejam longe para posteriormente não sentirem problemas morais, éticos e psíquicos.

A guerra é sempre o Mal Absoluto. Como aprendi de um sábio africano, fula do Futa-Djalon, “… não existem guerras nem incêndios de pequena dimensão; porque o fogo e a querela são as únicas coisas sobre a Terra que, uma vez iniciadas e não combatidas de imediato, levam seguramente a catástrofes incalculáveis”; como temos exemplos recentes de uns e de outros .

Entretanto, as grandes Nações parece que só pensam em guerra.

Hoje mesmo (01Mar2018), Putin anunciou aos deputados das duas Câmaras russas, que a Rússia tem já operacional um míssil intercontinental “invencível” capaz de atingir qualquer parte do mundo, e com a capacidade de ultrapassar em segurança todos os escudos balísticos hoje existentes. Aliás o vídeo que acompanhou a sua apresentação é elucidativo, com a animação de dois misseis lançados de território russo pra os EUA, um com o trajeto sobre a região norte do planeta, outro atingindo outra alvo por uma rota bem a sul.

Antes Trump já tinha reclamado o aumento e a modernização do arsenal atómico americano e dos seus meios de lançamento, com um aumento enorme do orçamento dos EUA.

Está perigoso o mundo em que vivemos!

2 pensamentos sobre “A propósito da situação na Síria, de Goutha, e da violência inaceitável

  1. Excelente artigo. Escrito por alguém que sabe muito do que fala! Os dislates a que vimos assistindo expressam o apodrecimento de uma grande parte da sociedade. Uma sociedade constituída por homens e mulheres , uns que executam o que não devia ser exequível, outros que não encontram meios ou vontades para se oporem ao descalabro “engravatado” e tecnológico que nos assola. Para além da luta pelo poder e da ganância desmedida em todos os setores da vida, a sociedade perdeu o sentido de decência, de solidariedade e de respeito. Só a educação, muita educação, pode dar a perceber a inutilidade destes flagelos e explicar os caminhos sem saída que se estão a trilhar. Professores armados para defenderem os seus alunos ou o vórtice mental que deseje levar a sua bomba o mais longe possível não estão de acordo com a vida. E, acreditem, os documentários informáticos que criam monstros ou seres invencíveis com os quais a juventude e os adultos já se divertem são mentira, são falsos, nada daquilo existe. E, no entanto, até isso movimenta milhões. Educação, solidariedade, olhos nos olhos, só isso pode conduzir à decência. Quando? Não sei.
    Repito: excelente artigo.

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  2. Muito preocupante, toda esta infernal incerteza…! Até aceito, que tudo era calculável, com o esgotamento das grandes fontes de receitas, nos interesses económicos sempre a mudar de mão, das influências políticas sempre com a mesma finalidade de orientar os outros. O que não se pode aceitar, é o retorno à violência dos mais fortes, do sofrimento dos mais fracos e da hegemonia a todo o preço. As notícias de hoje, nomeadamente o proteccionismo de Trump para americano bater palmas, e a corrida aos mísseis sofisticados da Rússia, são a prova de que nada melhorou. Apenas estávamos vivendo uma Primavera que parecia ter começado com o fim da Guerra da Coreia, do fim da URSS, da abertura da China, da edificação da União Europeia. Uma situação demasiado complexa, direi talvez explosiva, que já começou a ter repercussões no Canadá, na Austrália, no Japão. na própria Inglaterra após Brexit, e os infalíveis nacionalismos europeus.

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