FAZ HOJE 50 ANOS

Não resisti a dedicar umas linhas aos 50 anos do 1º de Maio de 1974. Tinha acontecido o 25 de Abril e o país vivia uma euforia compreensível de liberdade, de reconciliação e de solidariedade, o que era, na realidade, o princípio de uma nova vida. O país aprendeu muito a partir daí. Teve a beleza, internacionalmente reconhecida, de ser uma revolução sem sangue e explodiu a alegria em manifestações e atos conjuntos a que nunca se tinha assistido nem participado. A maior parte do povo aderiu e apaixonou-se pela nova situação, outra parte, talvez menor, recolheu-se, manteve-se cética e rezou para que “os fados” os vissem regressar ao tempo passado. Não conseguiu e não foi o que se passou. Essa minoria, mesmo relembrando “as virtudes farisaicas” dos seus ídolos passados, aconchegou-se e soube passar a viver bem à sombra das novas liberdades que, não sendo suas, lhes permitiam a continuidade das suas benesses e dos seus hábitos arcaicos. Não sairam, ficaram por cá, e a nova sociedade absorveu-os na reconciliação a que se tinha comprometido.

Vivi todos esses tempos e os meandros de todas as novas e velhas virtudes. Ocupei sempre o novo espaço que se tinha conquistado e convivi também com quem, sabendo onde me encontrava, nunca se atreveu a pôr em causa os preceitos de democracia que, firmemente, se foi criando.

Mas vivi tempos antes do 1º de Maio de 1974 que me permitiram perceber os lados discretos da solidariedade entre muitos que não se reviam nas “modas do tempo”.

Numa varanda no dia 1 de Maio de 1974

A fotografia que aqui vos deixo espelha a tal alegria familiar que agora, passados 50 anos, e a força espiritual que todos os figurantes (felizmente ainda todos vivos) ainda hoje alimentam contra novas tentativas de falsa sedução, de falsos populismos de bizarras intenções de, lentamente, regressarem ao passado, um passado qualquer que os “novos artistas” não conhecem e que não sabem compreender.

Nas minhas atribulações profissionais desses tempos encontrei, no entanto, exemplos de extrema coragem pela oposição que já faziam ao regime da época. Depois dos “sopapos” que a vida me foi dando e me deixaram em situações complicadas, sempre apareceram figuras que, por via direta ou indireta, me proporcionaram meios de aligeiramento de um quotidiano em sobressalto. Um editor, já falecido, mas de que guardo recordações inesquecíveis facultou-me a tradução de livros; outro, não menos inesquecível, pôs-me a traduzir legendas de filmes e outro, que só conhecia a minha história, conseguiu localizar-me e arranjar-me um emprego de remuneração satisfatória. Emprego que consegui, com a sua aprovação, conciliar com os horários do IST que já frequentava. Gente que, vim a perceber, pertencia ao alargado grupo do “reviralho”, gente que dava possibilidades de trabalho aos que a “situação” desprezava. Encontrei, nesse emprego, muita gente de bem que também não se pautava pelas normas políticas em vigor.

Vem esta história a pretexto de, num armazém de material elétrico onde trabalhei, haver um ”chefe de armazém” (o senhor Jaime) relativamente ao qual a administração me deu indicações que nos dias 1 de Maio, todos os anos, ele estaria dispensado do trabalho. E assim foi, todos os anos.

Por isso, ao lembrar-me que faz hoje 50 anos o 1º de Maio de 1974, também me lembro, sempre, desse excelente profissional que, não escondendo a sua filiação partidária, tinha, da parte de todos na empresa, o reconhecimento ao seu feriado que os restantes não tinham a ousadia de usufruir.

O feriado de hoje tem longas tradições de luta, de contratempos e solidariedades. Se nos lembrarmos que nos tempos longínquos do Rei Artur, de Guinevere e de Camelot, o “First of May” era o dia das flores e do romper da primavera sorrimo-nos como a História aproveitou datas festivas para consolidar datas de luta. Como diria alguém famoso: “É a vida”!

2 pensamentos sobre “FAZ HOJE 50 ANOS

  1. O 1º de maio de 1975 foi um dia de festa inesquecível! Tentei ir com a minha Mulher e a minha Filha (então com 8 anos ) mas ficámos muito longe da entrada do Estádio 1ª de maio, onde se desenrolou a comemoração principal. tal era multidão que se tinha aglomerado. Não tivemos outra hipótese se não voltar para casa, claro.. Mas a lembrança daquele mar de gente ficou-nos para sempre na memória – e fotografias

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  2. E com o tempo, sempre aquele tempo que nos vai moldando os gostos, e alonga as esperanças, este povo, que escondia sob o seu olhar triste, o desejo de se libertar dos seus medos, saiu à rua, numa avalanche de felicidade, sentindo o peso da responsabilidade do seu destino e dos seus, na sua própria terra, àm semelhança de tantos milhares que á o tinham sentido, quando emigraram para terras desconhecidas …! A Democracia, começava a fazer-se sentir todos os dias, dando a oportunidade de se sentir, finalmente adulto e senhor do seu futuro …!

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