Nos tempos que vivemos somos absorvidos pela globalização, pela digitalização, por todos os meios informáticos, pelo que nos contam das galáxias, das chegadas a Marte, do mundo quase virtual que nos rodeia e nos faz esquecer, tantas vezes, as verdades terrenas, as que fazem, na realidade, o nosso dia a dia. Já começa a haver um enorme cuidado com as crianças nas escolas para que percebam o que é um ovo, donde ele vem, como aparece nas prateleiras dos supermercados. O frango de churrasco ou o bife da vazia não são só aquelas peças estranhas que se compram à pressa e se comem em família. O que é um frango, de onde vem o bife? Acreditem, há muito jovem que nunca viu “essas coisas” vivas. É assim, é o mundo do “chip”, dos algoritmos, dos componentes informáticos, dos “ecrans” de “touch”, dos telemóveis que se dobram, das luzes que se acendem à distância. Resumindo, enfim, estamos na era da inteligência artificial. E todos estes incontornáveis avanços contribuirão, em princípio, para a felicidade das pessoas, do mundo em geral.
Vem esta pequena introdução a propósito das formas tão variadas e talvez inesperadas como se pode obter a felicidade. Chegou-me há dias às mãos a história de um jovem de 17 anos que, desde os 4 acompanhou o seu bisavô a pastar gado pelos campos. Apaixonou-se de tal forma por esta forma de vida que abandonou, de livre vontade, a escola, sem fazer o 12º ano, para se dedicar exclusivamente ao pastoreio. Não se trata de conto imaginado mas de uma realidade que tem nome: o jovem chama-se Luís Camarada, vive em Vila Real de Santo António (numa zona designada por Hortas, que conheço bem) e foi recentemente entrevistado pelo Jornal da sua terra. Aos 5 anos o bisavô comprou-lhe a sua primeira cabra algarvia e a partir daí nunca mais abandonou a vida na natureza, o que lhe dá a felicidade completa. Depois da sua primeira cabra foi sempre aumentando o seu rebanho. Chegou a ter 130 animais mas hoje tem apenas 60, tendo-se especializado na criação da cabra algarvia, espécie que esteve em perigo de extinção. É empreendedor e já se candidatou a um projeto de cerca de 40 mil euros, através da Direção Regional de Agricultura, para construir salas de ordenha, curral e queijaria, ambicionando vir a ter a sua marca própria de exploração. Sabe que o preço de uma cabra algarvia varia muito no mercado mas diz que “uma cabra pintada, das mais bonitas, pode chegar aos 300 euros”. Refere-se à pastorícia como uma arte dizendo: “Isto é arte. Nós temos de pensar sempre que os animais têm de nos entender. Se não entendem, não fazem nada e não se mexem do sítio. Têm de ter respeito ao pastor. Se fogem, mando os cães, levam umas dentadas e voltam logo”. Tem três cães: Bandida, Andorinha e uma rafeira alentejana Esteva, que têm entre seis meses e cinco anos. “Dois são os que trabalham para guardar o gado e a outra é para afugentar os bichos que apareçam por aqui”. O Luís conhece bem todos os locais para onde se desloca com o seu rebanho, dependendo do estado das terras e do pasto disponível em função das chuvas.
Ninguém tem dúvidas que o jovem Luís Camarada será um empresário realizado na arte da pastorícia. Tudo isto no século XXI em que os algoritmos e a inteligência artificial tentam dominar o mundo e dar-nos a felicidade. Mas a felicidade do Luís é enorme, escolhida e conquistada por ele num mundo que, em muitos casos, não sabe de onde vêm os ovos e como se criam as cabras e os cabritos algarvios.
A Arte da Pastorícia tem o seu lugar na era da globalização. E a Felicidade também.