Dois nomes, duas épocas, um mesmo assunto. Ao assistir, perturbado, à galeria de denúncias que têm surgido, desde há tempos, sobre o assédio sexual, não deixei de me interrogar, tanto sobre a história destes lamentáveis acontecimentos como sobre as razões, tão diversas, que os originam. As épocas determinam, como sabemos, diferentes capacidades de luta e de exposição mediática que nos levam a observar com igual perplexidade ou repulsa os acontecimentos em si mesmo mas sem, no entanto, nos apercebermos, por vezes, dos bastidores desses mesmos acontecimentos.
John Profumo foi, em 1961, o Secretário da Defesa do governo britânico dirigido por Harold Mcmillan. Teve, nessa altura e em pleno desempenho das suas funções públicas, relações íntimas com uma modelo famosa, Christine Keeler, uma inglesa lindíssima de 19 anos que, por coincidência, faleceu no passado dia 4 de Dezembro com 75 anos.
Christine Keeler tinha sido apresentada, numa festa oficial em Buckinghamshire, ao Secretário (ministro, entre nós) por um tal Stephen Ward, rapaz da sociedade que vivia desse tipo de apresentações. Christine pertencia a um grupo de “modelos” em que pontificava uma loura deslumbrante, Mancy Rice-Davies, que também não desdenhava a companhia de Profumo. O problema maior foi o de a Christine andar também envolvida com o adido naval soviético em Londres, Yevgeny Ivanov. Desta relação triangular só se poderia deduzir a conivente transmissão de informações secretas, coisa que em qualquer “almofada” se faz com muita facilidade (pillow talk). Claro que Profumo foi obrigado a demitir-se e terá contribuido para a queda do governo de Mcmillan e a eleição de Harold Wilson em 1964. O “apresentador” Ward morreu antes de conhecer o veredito do seu julgamento. Mandy Rice-Davies morreu há anos e Christine passou, posteriormente, por dois casamentos de que teve dois filhos. Viveu fora de ambientes sociais e, segundo um dos filhos: “Ficou marcada com uma etiqueta de que nunca se conseguiu libertar”. Profumo morreu numa Casa de Caridade, Toynbee Hall, em 2006 com 91 anos.
Como este caso, que deu brado na sua época, muitos outros têm ocorrido entretanto. Chegamos agora à saga Harvey Weinstein. Produtor de filmes em Hollywood (numa companhia que partilha com um seu irmão Bob) terá, comprovadamente, lançado no estrelato muitas atrizes em troca de favores sexuais. Basta olhar para a cara que se conhece dele pelas fotografias, para deduzir que nenhuma dessas relações deve ter sido por amor… Talvez a mulher, Georgina Chapman lhe tenha achado graça, coisa de que já deve estar arrependida. São muitas as atrizes notáveis que se queixam dos procedimentos imorais e de assédio continuado. Outras há que se insurgem e pensam levá-lo a tribunal (como René Zellweger que repudia os boatos lançados por Weinstein ou Gwyneth Paltrow que descobriu que ele usava o seu nome para atrair mulheres). Problema ainda maior foi o enorme número de denúncias que surgiram, em torrente, contra outros famosos protagonistas do cinema, do teatro e das artes em geral. Custou-me, particularmente, saber dos desmandos de James Levine, chefe da Orquestra Metropolitana de N. York, acusado por alegada vítima anónima à polícia de Illinois por factos que se terão iniciado em 1985… Digo que me custou porque seleciono e ouço os desempenhos deste exuberante maestro em muitas das suas intervenções. Isto não invalida, no entanto e se for verdadeira a denúncia, que o procedimento da sociedade seja o mesmo também para ele.
A revista TIME elegeu, como se sabe, como Figuras do Ano, um grupo de mulheres que apelidou de SILENCE BREAKERS, “Vozes que lançaram um movimento”. As épocas de comportamento inqualificável têm, evidentemente, que ser combatidas. Estas práticas não são novas, nem espúrias, nem desculpáveis. Muita gente notável e muitos “Paradise Papers” se têm alimentado de todos estes tipos de vida. Embora haja uma diferença apreciável entre quem se adorna com essas beldades, adultas, com mútuo consentimento, e os que usam os seus lugares de poder para praticarem essa “troca benéfica”, como eles dizem, para ambas as partes. Já num texto anterior, que escrevi neste blogue, me insurgi contra o que se passa no mundo do desporto. Treinadores que abusam e traumatizam atletas menores com a ambição, infelizmente partilhada, da conquista de medalhas. Estou a olhar para a fotografia da atleta olímpica americana Aly Raisman, vencedora de 6 medalhas olímpicas na sua modalidade de ginástica e arrepio-me com a confissão do médico da equipa, Larry Nassar, que ao longo de 29 anos organizou uma rede de abuso sexual com as jovens que lhe eram entregues para treinar. Não, isto tem que ser combatido. E não é um combate fácil porque envolve sentimentos, circunstâncias, poderes que não são controlados. Aceitações, até, que só muito mais tarde se vêm a denunciar. Intenções de vingança que, de forma enganosa, se fazem propalar contra alguém de quem não se gosta. Luta difícil mas que deve ser continuada e, sobretudo, denunciada em tempo. Com todos os riscos que isso envolve.
Deixem-me terminar com uma curiosidade: têm lido ou ouvido denúncias masculinas importantes contra assédios femininos? E, segundo se diz, também os há. Citando muitos que já o disseram: “Nessas alturas, um homem não é de pau”! Desculpem a graçola mas serve apenas para aliviar um tema tão arrepiante .
Um assunto, que vamos continuando a ouvir falar, no qual se sente o desrespeito constante, pela liberdade e a dignidade do feminino. De facto, um homem não é de pau, mas também, pode não ser pau para toda a colher…! Não quero dizer com este trocadilho, que o homem não seja passível de ser apontado como um provocador machista, mesmo perante um olhar sedutor ou um perfume fétichent da Dior ou Yves Saint Laurent…! E aqui, lembro maliciosamente, as tão femininas meias de seda, com ou sem costura…! Mas, daí até à grosseria habitual, de quem tem o poder de seduzir pela influência, vai uma grande distância !
GostarLiked by 1 person
a
GostarGostar