A morte de Kofi Hannan, no passado dia 18 de Agosto, aos 80 anos, veio relembrar não só a sua extraordinária personalidade como muito do que se relaciona com a ONU que serviu com tanto empenho e distinção.
Socorro-me, para já, das palavras do Arcebispo Emérito Desmond Tutu que o conhecia bem e lhe atribuia “méritos excepcionais de simpatia, humildade e energia serena.” Diplomata de carreira nascido no Ghana, Hannan foi secretário Geral da ONU desde 1997 até 2006, durante um dos períodos mais graves e difíceis da sua história. Atravessou o mundo num esforço titânico para tentar atenuar as consequências brutais de tudo o que se passou após o 11 de Setembro, em Nova York. Apesar das terríveis tensões a que foi sujeito nunca perdeu a sua elegância diplomática e a força das suas razões. Nem sempre o mundo o compreendeu e o apoiou como era exigível nas circunstâncias da época. Depois de se retirar da ONU os seus esforços em prol da paz continuaram no âmbito da sua Fundação e como “Chairman” de um Grupo Independente de lideres mundiais. Foi incansável na sua luta em defesa dos direitos humanos, em todas as vertentes que ainda hoje nos arrepiam e nos surpreendem. Num discurso que realizou na Cidade do Cabo, há cinco anos, foi claro ao dizer que “as sociedades deviam encarar e praticar a diversidade como uma fonte de energia”. As suas palavras terão sido ouvidas por alguns mas ignoradas ou esquecidas por muitos.
É em momentos como este que surgem as perguntas mais variadas sobre o papel desempenhado pela ONU, as suas estruturas e desempenhos dos seus responsáveis. Muitos dos pontos têm total cabimento, outros decorrem do menor conhecimento de como se movimenta o gigantismo desta organização. Entre nós, em particular, sempre surgem muitas interrogações sobre o trabalho do atual Secretário Geral, o português António Guterres. Socorro-me, agora, de um texto de Ian Bremmer que começa por nos perguntar qual o papel do ONU num mundo onde campeia uma preocupante falta de liderança global. E enuncia, de imediato, a desfuncionalidade do Conselho de Segurança, com os seus 5 membros permanentes com direito de veto, votados e decididos após a Segunda Guerra Mundial e, portanto, já com décadas de desatualização. No entanto, inamovível no quadro atual dos interesses globais.
Mas interessa-nos agora ver o que tem feito o Secretário Geral António Guerres. Tem sido louvado pela forma firme e clara com tem abordado temas muito difíceis mesmo que, com isso, possa perturbar os poderes instituidos de alguns membros. Tem criticado violentamente o governo de Myanamar, aliado da China, pelos crimes cometidos contra os muçulmanos Rohingya. Disse claramente que a decisão de Donald Trump de não receber imigrantes de países muçulmanos “viola os nossos princípios básicos”. Falou em defesa dos Palestinianos contra a aliança Estados Unidos e Israel. Em Agosto aproveitou uma visita a Nagazaki, no Japão, para criticar implicitamente a Russia e os Estados Unidos pela forma lenta como estão a conduzir o processo de desarmamento nuclear. E contribuiu para que as Nações Unidas pudessem travar os ataques de Trump à NATO, à União Europeia e outras instituições multilaterais. Mas onde o trabalho da ONU se torna mais relevante é com o trabalho das suas Agências. Operações de paz em África, Ásia, nos Balcans têm evitado confrontos que poderiam tornar-se muito dolorosos. A Agência para os Refugiados já ajudou milhões de gente deslocada. Com a sua intervenção o Banco Mundial tem concedido empréstimos e crédito de baixíssimos juros para a construção de estradas, hospitais e populações subalimentadas. Tem contribuido para enormes reduções na mortalidade infantil, de HIV e malária. Num mundo onde tantos países andam a levantar barreiras para impedir a passagem de pessoas, quem poderia fazer todas estas coisas? Nem todos os governos apreciam estes procedimentos. Em Julho, Guterres notificou cada um dos 193 países membros para cumprirem e não se atrasarem nas suas contribuições obrigatórias, para que não se corra o risco de incapacidade financeira e , portanto, menores apoios internacionais. E diz Guterres: “Uma Organização como a nossa não deveria ter que sofrer ameaças constantes de banca-rota. Mas o que mais nos perturba é não podermos ajudar tantos que nos pedem ajuda, a maior parte das vezes com pedidos muito modestos”.
Boa altura esta para, como que em homenagem a Kofi Hannan, podermos lembrar o papel fundamental desempenhado pela ONU, o esforço com que se debate, e o papel tão relevante e reconhecido do nosso compatriota António Guterres. Os Estados não falarão muito deles apenas, estamos certos, pelas conveniências políticas que têm, perigosamente, abastardado o mundo.
Uma boa homenagem a Kofi Annan. Hoje em dia, pouco se fala da ONU, dando-se mais importância a trivialidades mundanas sem conteúdo.Uma organização extraordinária, sempre sujeita a forcings e vetos de quem tem mais poder…! Tive a felicidade de visitar a Sede em N. York em 1972, que me deixou bastante bem impressionado, apesar de naquele tempo, nos associarem ao regime em que vivíamos. Talvez por isso, fiquei sempre com a impressão de se querer orientar o mundo, numa certa via de ingenuidade. Talvez, o meu defeito de ver assim a sua diplomacia, manietada por quem mais contribui para a sua existência…! Os tempos não estão fáceis para António Guterres, com as desastrosas atitudes do Sr. Trump e Putin, além das guerras tribalistas e religiosas do Continente Africano, onde se morre de violência e fome, sem que ninguém se preocupe em ensinar e ajudá-los, preferencialmente, a produzirem o que consomem.
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Um texto muito oportuno. De facto, desempenhar a função de secretário Geral da ONU deve,ser, é , extremamente difícil e muitas vezes frustrante. Na realidade os 5 membros do Conselho de Segurança olham muito mais para os seus interesses que para os da Humanidade
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