POISSON D’AVRIL

Diz-se que a mentira e a verdade são muito relativas . E se calhar são… Há as mentiras assassinas, as mentiras piedosas, as mentiras habituais, as mentiras remuneradas, enfim, os exemplos multiplicam-se e os seus motivos também.

A verdade, apesar de tudo, é mais fácil de identificar. Se corresponde a uma opinião baseada e discutida, podemos não estar de acordo com ela mas não deixa de ser verdade. A verdade é fácil de dizer: basta dizê-la. Mas às vezes é difícil e dura para quem a diz ou para quem a ouve. A mentira dá mais trabalho porque tem que se compor uma versão arredondada da “verdade” que pretendemos transmitir, de tal forma que não seja desmontada facilmente. E é aqui que reside o problema: mais cedo ou mais tarde essa desmontagem acontece. E sabe-se que não basta repetir uma mentira muitas vezes para que passe a ser verdade.

Tudo isto a propósito do hábito de há muitos anos, em muitas partes do mundo, se escolher o dia 1 de Abril como o Dia das Mentiras. Em França chama-se o “Poisson d’Avril”. Lembramo-nos bem de procurar no jornal desse dia uma ou mais notícias que fossem mentiras. Às vezes até havia prémios para quem as descobrisse.

Esta ingénua tradição foi-se depreciando com o tempo. Os periódicos convencionais foram, ao longo dos tempos, admitindo nos seus conteúdos notícias que sabem não ser verdade mas sempre muito imaginadas para não se poder dizer que são mentiras. Depois apareceram as famosas redes sociais que, ultrapassando a comunicação convencional, se permitem publicar, com rapidez meteórica e desonestidade arrepiante, as mais óbvias mentiras sem que ninguém tenha sequer tempo para o contraditório.

No último 1 de Abril, percorri com curiosidade alguns dos meios que frequento ou consulto com mais frequência. Uma amiga minha teve a ousadia de dizer que ia fazer 75 anos, sabendo todos nós que ela já passou, há muito, os 80! Coitada, no dia seguinte, informou os amigos, com muita graça e singeleza que, na véspera, lhes tinha tentado passar uma “peta” , coisa que já todos tinham percebido, claro. Mas, enfim, dizia ela, era para festejar o dia.

De resto, todas as mentiras que encontrei nos jornais e outros meios não tinham sido publicadas como tal. Ninguém pediu desculpa e as mentiras por lá ficaram, a levedar, para ver se o seu efeito acaba por apodrecer aquilo ou aqueles a quem se dirigem.

Em França alguém escreveu um artigo como este: o “poisson d’Avril” tinha-se transformado num cardume!”

É este o estranho mundo em que vivemos. Que nos obriga, claro, a muitas cautelas, reservas e perda de ingenuidade. Há agora uma nova classe de profissionais, a quem chamam “hackers” , que descobrem, com os mais sofisticados meios, todas as mentiras que são ditas em todo o mundo. Com enormes prejuízos, claro, para os que são apanhados nessas mentiras. Mas, para já, esses profissionais são presos para “não entrarem nas vidas dos mentirosos”. O que não parece mal… Mas há outras entidades, também muito importantes, que querem que eles lhes contem tudo e continuem a descobrir as mentiras dos outros.

Oh, meu Deus! Vamos acabar com o Dia das Mentiras. Vamos criar o Dia das Verdades. E acreditem que não vai ser nada fácil!

Um pensamento sobre “POISSON D’AVRIL

  1. Muito interessante,toda esta historia das mentiras e das verdades. Como o mundo está cheio de fantasias, talvez daqui, tenham nascido as meias verdades, que são as que mais enganam os que ainda vão fazendo esforços para acreditar. E há tanta mentira com foros de verdade, que nos deixam felizes e bem dispostos, pela vida fora…! É a vida…!

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