Muitos das nossas gerações leram Milan Kundera e teceram-lhe louvores pela profundidade dos seus escritos e pela sua coragem de vida enfrentando os, à data, “comandantes” do seu país. Por tudo o que pensava e escrevia Kundera teve que se exilar, há mais de 40 anos, tendo-lhe sido retirada a cidadania checa (checoeslovaca ainda nessa altura). Passou a viver em Paris e foi lá que escreveu os seus títulos mais famosos e aquele com que, talvez, todos mais nos identifiquemos: “A Insustentável Leveza do Ser”. Lemos o livro e vimos o filme de 1988 protagonizado por Daniel Day-Lewis e Juliet Binoche. A sua obra tocou o coração do ocidente, pelo realismo da sua ficção e pela crítica constante ao comunismo. Mais de 40 anos após o seu exílio o embaixador da República Checa em Paris, Petr Drulák, visitou-o no seu apartamento de Paris e entregou-lhe o certificado de “Cidadão Checo”. O escritor, agora com 90 anos, agradeceu calorosamente e manteve-se, tranquilamente, a viver com a sua mulher Vera, no seu novo país, a França, onde se sente em paz e humanamente integrado. Diversas vezes candidato ao prémio Nobel da literatura ele é, segundo o governo checo, “uma lenda da literatura mundial, checa e francesa”. Embora convidado a visitar a Chéquia pelo primeiro ministro, nunca o fez oficialmente. Desde 1996 que viajou por lá, mas sempre incógnito. Mesmo quando a sua terra natal, Brno, lhe conferiu a honraria de “cidadão honorário” ele não compareceu e manteve-se em França.
E é, numa entrevista concedida ao New York Times em 1984, que Kundera nos levanta a sua opção essencial: “Não será a ideia de “casa de origem” um sentimento ambíguo? Interrogo-me sobre se a noção de “casa” não será, no fundo, uma ilusão. Ter ou criar raízes algures é quase uma ficção, uma escolha. Muitas vezes me debati com a questão do meu país de origem ou aceitar a minha vida em França. Escolhi viver em França, como um cidadão normal que escreve livros.”
Numa carta por si escrita para a cerimónia de abertura da conferência de consagração na sua terra natal, à qual não compareceu, Kundera descreve-se como um escritor francês e que os seus livros devem pertencer à literatura francesa.
Todo este comportamento reporta-nos à sua obra fundamental, “A Insustentável Leveza do Ser”, que ele acaba por protagonizar ao longo de todos estes anos. Terá alguma razão de ser este seu princípio de vida quando, especialmente, as vidas sofrem tão tremendos terramotos. Mas não são menos os casos de injustamente exilados ou simplesmente auto-afastados que acabam por não renegar as suas origens e que regressam aos cantos que melhor conhecem e onde são bem conhecidos. São as inconstâncias da “leveza do ser” que não serão, talvez, tão extrapoláveis como parecerão à primeira vista. Mas os fundamentos da sua obra e do seu pensamento permanecem. Por isso foi bom lembrá-los, especialmente para os muitos que poderão não ter ainda lido este livro.