Toda a gente que já viveu ou simplesmente passeou pelas terras asiáticas de Hong Kong ou Macau (para só falar nestas) ficou, decerto, com a recordação do ruído das pedras do gamão ou do dominó, vindo não se sabe muito bem, de pátios de convívio, de quintais escondidos, de zonas ajardinadas diversas. Os chineses são, como se sabe, amantes dos jogos e a atividade rotineira, quase familiar de jogar dominó ou gamão (sempre a dinheiro, é claro) traz-lhes a diversão e o ocupar de tempo que pelas suas paragens não são, propriamente, muito diversificadas.
Jogar dominó é um passatempo secular, razoavelmente divertido e mais exigente do que parece à primeira vista. Há anos que não tenho jogado o dominó. Mas divertia-me e gostava também de baralhar as pedras em cima da mesa. O barulho das pedras era como que uma melodia que nos transportava para locais remotos mas que, passado pouco tempo, nos obrigava a concentrar nas sete pedras que nos eram distribuidas. E a partir daí eram a concentração, a memória e a manha que ditavam o vencedor.
Nos jardins portugueses onde a gente reformada se encontra e convive com assiduidade já não é, na maior parte dos casos, o dominó a modalidade dominante. É mais a sueca ou a bisca que exigem também sagacidade para determinar os vitoriosos. Por cá não se joga, normalmente, a dinheiro. É mais pela diversão e pelo convívio das terceiras ou quartas idades reformadas.
Tal como cá, em Londres é a mesma coisa. Há por lá uma praça famosa que serve de “ancoradouro” a muitos pensionistas do próprio bairro ou de outros circunvizinhos: Maida Hill Market Square. Os ruidos das pedras do dominó, as gargalhadas dos jogadores têm vindo a criar algumas queixas dos residentes locais junto da municipalidade. E é aí que um reformado de 73 anos, Ernest Theophile, foi levado a tribunal e acusado de fazer muito ruído e de causar perturbações locais. Foi posto em liberdade mas voltará a tribunal se ele e os seus amigos “abusarem de música ruidosa, beberem álcool ou fizerem grande gritaria”. Claro que não é nada disso que se passa. Theophile diz que nasceu ali e ali viveu toda a sua vida. Ali estão os seus amigos de sempre e por ali continuará nos anos que lhe restarem.
Claro que sendo Theophile negro, rapidamente se levantou uma onda de acusações quanto a perseguição racista o que, digamos, não custa muito a acreditar. Pelo contrário, os utilizadores do espaço defendem-se dizendo que o convívio estimula uma excelente relação social entre pessoas de diversas etnias. As autoridades locais inglesas envolveram-se num diferendo que não lhes trará grande popularidade nos próximos tempos. Mesmo sugerindo outros pontos de encontro, aquele local não será abandonado pelos utentes jogadores. Até porque a Igreja de St Peter, em Maida Hill, tem vindo a defender e a apoiar muita daquela população menos favorecida.
Aqui, na minha terra (sou de Lisboa), passo por muitas praças e jardins onde muitos reformados jogam as suas cartas, outros assistem (já não conseguem perceber o jogo), e nunca me apercebi de qualquer distúrbio local. Espero que tudo se mantenha como está. E que em Londres consigam deixar o Theophile em paz, a baralhar as suas pedras de dominó.
O conhecimento deste facto veio despertar em mim o desejo de recuperar uns joguinhos de dominó (tenho ali tudo pronto). Pode ser que as novas gerações também se interessem pelo jogo evitando-se, dessa forma, os dolorosos vícios decorrentes de dias inteiros a olhar para os visores dos computadores para disputar com parceiros desconhecidos os mais incríveis e incompreensíveis jogos de monstros e figuras surreais. É claro que nos computadores também se pode jogar dominó. Mas o barulho das pedras, o barulho real do baralhar as pedras, isso não há computador que substitua.
Querem jogar dominó? Então joguem!!!
Fez-me pensar, este assunto relacionado com o Dominó, de que já não me lembrava. O entretenimento de muitos idosos, sentados em redor de uma mesa, em pleno convívio, nos jardins de qualquer cidade.. Uma forma de passar o tempo entre amigos,. Ou novos amigos…, porque estas competições em público, trazem sempre curiosos que também procuram forma de fugir ao isolamento entre quatro paredes. Lembro-me bem de os ter já visto nos jardins de Lisboa, nomeadamente na Alameda D. Afonso Henriques e no Príncipe Real, com uma folha de papel a servir de toalha, dividindo as peças do Dominó ou distribuindo as cartas já mais que lambidas. A Sueca, também por hábito, com as cartas bem batidas na mesa, em sinal de rude golpe final com o naipe bem guardado desde princípio…! Ou o Dominó, fazendo bem as combinações para levar a água ao seu moinho. Talvez faltassem ali os Theophil`s, para dar mais emoção aquelas monótonas partidas…!
GostarGostar