Como bem sabem os meus seguidores deste blogue fui durante bastantes anos interventor ativo nas causas do desporto, de diversas modalidades, em especial nas do ténis. Acompanhei a evolução complexa do seu desenvolvimento, em Portugal e no mundo, surpreendi-me, por vezes, com o seu conservadorismo. Ouvi, ao longo dos anos, opiniões de muitos e consagrados técnicos e mestres referindo-se a novos modelos e necessidades mas, sobretudo, lamentando e repudiando muitas práticas obstaculisantes do desenvolvimento do desporto ou de modalidades específicas.
Recentemente, agora que me encontro mais distanciado das intervenções diretas em que estive envolvido, assisti e reli declarações de qualificados conferencistas (alguns ainda de grupos e personagens há muito existentes) e verifiquei, com surpresa e desconsolo, que as ideias e as queixas expostas eram praticamente as mesmas de há uns anos atrás. Neste mundo do desporto a culpa está sempre algures, noutros patamares, e a insuficiência de métodos e meios permanece quase intocável. É assim entre nós, é assim noutros países, desde que não abordemos a “indústria do desporto” e falemos apenas de Desporto.
Após esta pequena introdução relembremos a questão do ténis, já levantada por diversos comentadores, agora revisitada pela Marina Hyde no “The Guardian”: “Porque é tão fácil ao Ténis escapar às malhas da droga?” e às das apostas ilegais (acrescento eu).
“O ténis é uma modalidade limpa e credível e por isso os níveis de “sponsorização” são tão elevados”, dizia em 2015 Chris Kermode, “Chairman” da ATP (Associação de Tenistas Profissionais”.
E porque é que o ténis é visto como uma modalidade limpa? Porque muito poucos jogadores tiveram testes positivos relativamente a substâncias proibidas. Quando Richard Gasquet teve um teste positivo por ingestão de cocaína, foi desculpado pelo facto da cocaína lhe ter sido transmitida pelo beijo de uma senhora num clube noturno de Miami. Uma ingestão romântica…
Mais recentemente Maria Sharapova foi apanhada por tomar uma substância proibida, o melodium, com a desculpa de obviar sintomas de diabetes e problemas cardíacos. Fraca e ingénua desculpa, também… Depois de um período de suspensão, Sharapova regressou às competições onde tem sido largamente criticada por colegas e pela comunicação social.
Se consultarmos os antecedentes procedamentais da WADA – World Anti-Doping Agency, responsável por todas as pesquisas e controlo das análises anti-dopagem, a nível mundial, verificamos que, por exemplo nos Jogos Olímpicos de Verão, as modalidades mais controladas são, por regra, o atletismo (em todas as suas modalidades), a natação, o halterofilismo e as lutas. O ténis tem muito pouca relevância nesta estatística. Aliás, o mesmo se passa com o andebol e a canoagem. As análises realizadas no ténis são cerca de 1/3 das outras modalidades nos Jogos Olímpicos e apenas 40% destes atletas pesquisados são penalizados. O chamado “passaporte biológico” não tem pronunciado nenhum tenista porque, dizem os responsáveis, os tenistas não fazem batotas. E as autoridades são tolerantes quanto a estes pontos de vista. A própria modalidade não insiste nos testes para deteção da EPO e testoterona sintética, as duas substâncias mais usadas pelos infratores. Numa investigação realizada pela EPSN a tolerância refere problemas financeiros. A ITF – International Tennis Federation gasta cerca de 4 milhões de dólares por ano no seu programa de anti-dopagem. Mas mais de 50 milhões é o total de prémios só do US Open, onde cada vencedor leva para casa cerca de 3,7 milhões.
No mundo do ténis prefere-se ignorar estes factos. Nem os adeptos, nem as administrações falam disso. Os próprios comentadores pronunciam-se como “inacreditável” ou “sem precedentes” qualquer incidente sugerido relativamente ao mundo do ténis.
Os relatos no mundo do desporto têm vindo a colocar muitas dúvidas a esta modalidade.
Outro assunto escaldante, de que poderemos vir a falar mais desenvolvidamente, é o das apostas ilegais. Desde há anos que as instituições mais responsáveis em todo o mundo desportivo se preocupam com este flagelo e tentam encontrar soluções para o combaterem. Confrontam-se, no entanto, com legislações e interesses dos diversos países e organizações e os problemas acabam por ser contornados.
De acordo com fontes credíveis e responsáveis “não há nenhuma modalidade desportiva que escape ao problema das apostas ilegais”.
Desde há anos que numa central confidencial, só conhecida e controlada pelas instituições desportivas mais abrangentes do mundo, se acompanha o desenrolar de muitas provas desportivas em todo o mundo. Como já temos visto, com grande surpresa, tenistas qualificados entre os primeiros do seu “ranking”, em provas de importância secundária, são eliminados na primeira partida por jovens que vêm dos quadros das qualificações. Nesse mesmo dia o tenista eliminado segue viagem para outro torneio, de maior importância, onde, por vezes, acaba por chegar às fases finais. Só por acaso? Porque acontece isto tantas vezes? A central de monitorização atrás referida tem vindo a acompanhar essas ocorrências e não é a primeira vez que intervém. Num torneio no continente australiano, há alguns anos atrás, a central verificou que as centrais de apostas acumulavam verbas muito altas num jogador de baixa qualificação. A Federação respetiva interrogou, telefonicamente, o que se estava a passar com esse atleta. No dia da prova o acumulado das apostas tinha mudado.
O problema está hoje relativamente divulgado e até em Portugal clubes de fraca exposição e jogadores que ninguém conhece apareceram acusados pelas polícias, de infrações deste tipo. Porquê? Quais são os interesses milionários que suportam e investem neste descalabro desportivo?
O silêncio, neste domínio, é realmente muito ruidoso!… As instituições desportivas têm vindo a trabalhar neste terrível e pantanoso terreno. Já apareceram alguns resultados (em todas as modalidades) mas é essencial que estejamos despertos para esta penosa realidade. Ou o desporto, na sua essência, acabará destruido, com danos irreversíveis, principalmente para todos os atletas, a grande maioria, que faz do desporto uma causa limpa.
Por coincidência, o Secretário de Estado da Juventude e Desporto de Portugal esteve ontem presente no lançamento de dois livros: “Para um Desporto do Futuro” e “Move-te por Valores”. No seu discurso disse que “O dinheiro é um dos fatores de discórdia no desporto… É um fenómeno complexo e… quando entra dinheiro em quantidades verdadeiramente astronómicas… qualquer cidadão se choca. O governo acredita que promover os valores da ética é essencial, já que um adepto não apela à violência, às ameaças ou à introdução de um discurso de ódio.”
Parece que depois de lançados os dados, os problemas começam a ser discutidos. Mas será que se vai fazer alguma coisa, e o quê? Quando? Todos temos, infelizmente, a sensação de que esta será uma batalha nunca ganha.
Interessante narrativa sobre o desporto actual. Não há dúvida, de que este blog fazia falta, onde encontramos assuntos que nos interessam ou nos preocupam. Também no qual, podemos verificar de que não estamos a falar sozinhos, e há mais pessoas a pensar o mesmo. Os defeitos, ou vícios adquiridos no desporto, que transformam um prazer pessoal de alcançar metas, não só pela simples razão saudável de desafio pessoal, como o de testar as suas próprias capacidades físicas, estão muito bem definidas E tudo isto, aliado à modalidade que se gosta, da experiência e do confronto, também saudável, da competição. Infelizmente, toda esta beleza, chamada desporto, muitas vezes, tem acabado na especulação de interesses e no aproveitamento alicerçado na ganância de outros.
Creio, já ter demonstrado em comentários anteriores, o meu gosto preferencial pela prática desportiva individual , e não pela prática de desportos de massas. Talvez por uma intuição repulsiva da exploração organizada, como a que se vê nos escaparates dos jornais, e tão bem explicado no texto de hoje…!
Ainda esta semana, enquanto aguardava que minha mulher saísse de uma sessão de fisioterapia, deliciei-me a ver uma lição de Ténis, nos courts de Alverca, executada por um amigo meu, que me convidou a entrar, desafiando-me para jogar com eles. O seu saber, a suavidade dos seus gestos, e a firmeza do bater de bolas, fez-me esquecer por momentos, a diminuição física que hoje vou sentindo com a idade. E, igualmente, todo este impulso, senti há poucos meses, ao bater apenas duas dúzias de bolas no Drive Range e no Putting, do Clube de Golf de Castro Marim, onde tantas vezes joguei. E é este desafio, que me faz manter aquela chama, ou como dizia um antigo professor de matemática. ” O que é preciso, é aquela convicção que exorta os fortes “. E o desporto, é isso mesmo…!
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