Nesta época de Páscoa as comemorações são imensas, por cá e por todo o mundo. Para católicos e não católicos, para crentes e não crentes. Sucedem-se as procissões, umas mais famosas que outras, mas todas com grandes acompanhamentos de fé e de esperança. De esperança em dias melhores, com mais saúde, principalmente com mais saúde. São, de uma forma geral, procissões lúgubres, solenes e sombrias. Chegam-nos pela televisão imagens de comemorações verdadeiramente arrepiantes, em países mais distantes, onde a tradição e o misticismo venceram a fé e a crença religiosa.
Mas a nossa sociedade sempre foi muito envolvida pela religiosidade desta época. Lembro-me, em garoto, a minha mãe me proibir de cantar ou assobiar desde o meio dia de 5ª feira Santa até ao meio dia de sábado. E eu cumpria por respeito a ela. O tempo passa, as pessoas pensam, informam-se e passam a respeitar-se a si próprias.
Tudo isto a propósito, imagine-se, das amêndoas de Páscoa. Encontramo-las de todos os tipos: moles, duras, brancas, coloridas, tipo francês, com licor, lisas, rugosas, avulsas ou embaladas. O nosso país é fértil em amendoeiras. Trás-os-Montes, distrito de Bragança, sempre foram os que tiveram maiores quantidades, seguindo-se-lhes o Algarve. Lembro-me também, há muitos anos, quando não havia A2 e se tinha que atravessar a serra do Caldeirão para chegar a Faro (eram cerca de 330 curvas), de ver as encostas cheias de amendoeiras em flor, flores brancas e rosadas, que davam à paisagem o aspecto de neve das montanhas de Espanha de onde parece ter vindo, há muitos anos, a moura famosa que morria de saudades de ver a neve ao longe. Claro que o sultão (devia ser um sultão…) resolveu o problema mandando plantar aqueles milhares de amendoeiras. Se calhar a história não é verdadeira mas apetecia imenso que fosse para o repouso poético das nossas almas.
Mas deixemo-nos de lendas. A amêndoa algarvia é mais pequena que a do norte ou que a espanhola e diga-se, de verdade, muito mais saborosa. Os algarvios de algumas gerações atrás faziam, todas as Páscoas, as chamadas “Amêndoas Enxovalhadas” que não são mais que amêndoas embrulhadas numa calda maravilhosa de açúcar e baunilha. Depois de secas e arrefecidas separam-se, à mão, os pedaços de açúcar com as amêndoas e comem-se, claro. O aspecto rugoso, irregular e desordenado desses maravilhosos torrões de amêndoas fez com que se lhes desse o nome de amêndoas enxovalhadas. O tempo passou, a indústria avançou com os mais variados modelos de amêndoas e a amêndoa enxovalhada passou a ser, apenas, uma arte doméstica. Vivo no seio de uma família que mantém a tradição deste ritual doméstico e, por isso, acho-me autorizado a propagandear as virtudes das amêndoas enxovalhadas, a sua deliciosa textura e esperar que os algarvios que as conheçam não deixem de as fazer em abundância. Na serra algarvia ainda se vão encontrando com frequência. Tudo feito, claro, com a amêndoa pequena, algarvia, a que foi plantada pelo sultão para matar a tristeza da sua filha.
Tantas ligações que tenho com o Algarve, e fico admirado como me passou despercebido esta coisa de amêndoas enxovalhadas….! E ainda por cima doces e apetitosas…! Hummm…! Estas histórias de princesas mouras encantadas, tem muito que se lhes diga…! Mas, também vou contar uma outra, que por razões obvias, não aconselho muito a quem tenha que fugir do açúcar a sete pés…! Como sou de Coimbra, habituei-me desde pequeno a comer as amêndoas moles, também chamadas amêndoas de Coimbra. Autênticos torrões de açúcar e uma pequena amêndoa torrada escondida no seu interior. Eram as minhas pequenas delícias, dos meus tempos do século passado…! Como eu gostava de esmagar aquela pequena doçura, branca de neve, numa só dentada, surripiando logo uma outra da biscoiteira, às escondidas dos olhares de minha mãe …! Mas a Páscoa, uma época festiva tão bonita e ainda tão cheia de tradições, faz-me recuar ao tempo das visitas pascais, em que as nossas casas se abriam para receber a bênção, recebendo o pároco e a sua comitiva, com uns cálices de Vinho do Porto e algumas moedas de 10 Escudos ainda reluzentes, que os esperavam, depositadas numa pequena salva de prata. E de porta em porta, o nosso pároco e o sacristão, sempre risonhos, aumentavam de simpatia, mostrando cada vez mais os rostos rosados pelo calor da festa. Estávamos ainda nos princípios dos anos quarenta…! Ainda há muito poucos anos, em Sortelha , bem lá no sopé da Serra da Estrela, assisti de passagem, aos festejos desta época, com a mesma devoção dos tempos que pensava já não existirem…! E os folares, sempre tão deliciosos, na simplicidade das nossas vidas, que naquele tempo não deixavam de ser preocupantes…!
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Mais uma tradição que desconhecia ! Com desplante peço que talvez possas guardar algumas para provarmos no próximo jantar do liceu !
Dos meus tempos de miúdo também me lembro de não se acender a telefonia nesses dias e de o meu Pai, na 5ª feira de Paixão, ir trabalhar de fato gravata pretos
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