Mandela, se fosse vivo, faria hoje cem anos. Mas mesmo ausente deixou a todo o mundo uma enorme mensagem de coragem, vitalidade, inteligência e solidariedade que não tem, até agora, encontrado sucessão equivalente. Mandela fez da História uma nova História e conseguiu realizar na sua África do Sul o sonho de muitos que têm combatido pelos mesmos ideais de igualdade entre os homens. Coisa simples de se dizer, dificílima de realizar como se tem vindo a demonstrar por todo o mundo. Hoje, 18 de julho, dia dos seus anos, é comemorado o Dia de Mandela (Mandela Day). Para além de “capitão do seu próprio pensamento” ele foi o lider de um mundo injustiçado, desigual, perseguido, desejoso de reconhecimento social e de paz. Não vale a pena escrever mais sobre Mandela: a sua biografia e os imensos testemunhos da sua obra e das suas intervenções são hoje o “vademecum” mundial da solidariedade, da compreensão e da defesa intransigente de direitos.
O que verdadeiramente me motivou a escrever este texto foi o admirável discurso do ex-presidente Obama, convidado, nesta data comemorativa, a recordar Mandela e a sua obra. E fê-lo de forma brilhante, erudita mas de fácil entendimento para uma audiência de cerca de 15.000 pessoas que o aplaudiram emocionadamente. Estamos já habituados, ou resignados, nos tempos que correm, a ouvir eminências políticas e sociais, de todas as latitudes, a emitirem opiniões que são apenas amontoados de frases preparadas por assessores, sem qualquer conteúdo programático ou estruturado que, no fundo, nos seduza a ouvi-los pelo prazer da erudição. Obama provou ontem que essa virtualidade não se extinguiu. Lembramo-nos, talvez, do seu célebre discurso do Cairo quando iniciou o seu mandato, considerado uma peça ousada mas equilibrada para o contexto difícil que se vivia na altura. Os seus opositores vieram, muito mais tarde, a desdenhar dessa tão importante mansagem mas verificou-se, felizmente, que não tinham razão. Obama não se pôde recandidatar e os americanos elegeram Donald Trump. Segundo, assim parece, com ajudas secretas dos Serviços de Inteligência de Putin que, obviamente, tudo negou, na reunião de Helsínquia de 16 de julho. Contra aquilo que, curiosamente, os próprios serviços do FBI afirmam e declaram ter como provar. Os próprios republicanos, adeptos de Trump, começam a opor-se a essas ideias e começam a recear o pior. Mas como o mundo está cada vez mais perigoso (como afirmou Obama no seu discurso) já não nos espantaria que os americanos dos interesses voltassem a eleger Trump. Para gáudio de Putin.
Mas voltemos a Obama. No dia 7/6/2018 escrevi neste blogue um texto a que dei o título de “A Época dos Homens Fortes”. Patrick Wintour, do Guardian, deu, ao discurso de Obama, o título jornalístico de “Strongman Politics”. Coincidência com a qual, claro, me identifico. No seu discurso de Johannesburg (que vale a pena apreciar na íntegra) Obama condena os lideres que conduzem políticas de medo, que negam a realidade objetiva e que são apanhados a mentir. Nesse caso, normalmente, mentem mais, tentando anular as mentiras anteriores. Nunca referiu o nome de Trump mas a multidão, desperta para estas realidades, aplaudiu prolongadamente. Acrescentou não perceber como os políticos, confrontados com a avassaladora opinião científica, descrevem as alterações climáticas como “uma invenção elaborada”. Obama destacou o inexorável progresso que se conheceu desde que Mandela saiu da cadeia até à queda do muro de Berlim mas avisou para o facto de, depois desse quarto de século de progressos, se entrar aparentemente numa época de homens fortes e de desencanto pela necessidade da democracia. Foi mais longe, afirmando que parece estarmos a regressar a um antigo, mais brutal e perigoso mundo negocial. Muita gente tenta armadilhar as instituições em que a democracia se radicou e os “políticos fortes” têm vindo a ganhar terreno. Avisou claramente que os países que adiram aos nacionalismos e xenofobia ver-se-ão confrontados com a guerra civil ou guerras externas. Basta consultar os livros. O mundo encontra-se numa encruzilhada e é preciso dar consistência a uma democracia livre e a uma melhor cooperação.
Foi um privilégio ter ouvido Obama nesta data tão importante. Ficamos mais seguros de que os grandes espíritos continuam a gravitar por este mundo e que podemos acalentar a esperança de que a mensagem fundamental de Mandela continuará a ser seguida.
Excelente e muita oportuna lembrança. Mandela é uma referencia obrigatória nos tempos que correm. E por muitos motivos, bem assinalados neste belo texto.
Li em tempos um curioso livro de Jacques Attali com o título Phares, enumerando aqueles que, em sua opinião, deixaram marca na História pelas suas acções e pelas suas ideias. Após essa leitura, elegi para mim também alguns Faróis, essas luzes que nunca se extinguem e nos indicam as rotas seguras para os problemas com que lidamos. Mandela é um desses Faróis, indiscutivelmente. Na última comissão militar que fiz em África (Moçambique 1971/73), estive na África do Sul e conheci bem o que era então o apartheid em uso naquele belo País. Acompanhei muito interessadamente a extraordinária acção de Nelson Mandela para o extinguir, sem ódios e pela sã convivência entre todas as raças que ali vivem.
Assisti também muito interessado ao magnífico discurso de Obama na mais que merecida homenagem referida neste belo texto com toda a propriedade, e para guardar.
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Uma belíssima homenagem a Mandela…! Quem ama a liberdade, sabe e sente, o que Mandela representa e representará para todo o sempre, àquilo a que chamamos de respeito pelos outros. A democracia, o humanismo, o dever, a dignidade e a honra. ..! Infelizmente, parece que este mundo, volta a ignorar, pela tacanhês de espírito e pela ganância, as lições de uma história triste, ainda ocorrida nos nossos tempos…! Talvez uma deficiência cognitiva, de quem determina as modas políticas…!
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