Nos idos de 1972 do século passado desloquei-me, em viagem técnica, a Estocolmo onde aprendi muita coisa relacionada com a grande novidade, àquela data, da “construção laminar”. Dessa experiência resultou, aliás, a construção da urbanização do Alto da Barra, em Oeiras, que ainda hoje é uma zona conspícua à beira da marginal. Foi o primeiro exemplo dessa modalidade construtiva em Portugal. Tudo evoluiu de forma muito rápida e, confesso, que hoje em dia não sei se ainda a tratam por “laminar”, “túnel” ou, simplesmente, com “cofragens”. Seja o que for, pouco importa para a história que quero contar.
Nessa viagem, os nossos anfitriões suecos levaram-nos a visitar o que, desde há pouco mais de dez anos, era a grande atração turística de Estocolmo: o navio Vasa, o único navio de guerra do século XVII existente no mundo. O museu Vasa é o mais visitado da Escandinávia. Nesse local há uma loja de artigos dedicados, além de um restaurante de luxo. E é passado um filme, sobre a triste história do navio, comentado em 16 línguas.
O Vasa foi construido nos estaleiros de Estocolmo por decisão do rei Gustavo Adolfo II . A sua construção durou dois anos e em Agosto de 1628 tentou sair do porto de Estocolmo. Tratava-se do maior navio de guerra da sua época, com 1200 toneladas e 64 canhões para combate. Nessa saída foi subitamente fustigado por fortes e desencontradas rajadas de vento que o inclinaram ao ponto de o afundarem. Nunca navegou por um evidente erro de construção. Morreram cerca de 50 dos seus 150 tripulantes e ficou afundado a grande profundidade. Só em 1956 o Vasa foi descoberto por um investigador independente, Anders Franzen, e só em 1961 voltou de novo à superfície. O navio está permanentemente a ser salpicado com água e um produto apropriado para evitar o apodrecimento da madeira. Continuam a ser feitos estudos para melhorar os produtos a utilizar na sua manutenção, mas a sua exposição é permanente e imperdível. Não há digressão turística que se desloque a Estocolmo que não vá, em primeiro lugar, visitar o Vasa. E as receitas são enormes.
Portugal e a Marinha Portuguesa dispõem também de uma valiosa relíquia naval: a Fragata Dom Fernando II e Glória. A sua construção iniciou-se em Damão, na Índia, com madeira de teca de Nagar-Aveli e foi rebocado em 22 de Outubro de 1843 para Goa, onde foi aparelhado. O veleiro foi batizado com o nome do rei-consorte D. Fernando II e a Rainha D. Maria II, cujo nome próprio era Maria da Glória. O nome também evocava a sua santa protetora, Nossa Senhora da Glória, de especial devoção entre os goeses. A sua viagem inaugural, de Goa a Lisboa, teve lugar entre 2 de Fevereiro e 4 de Julho de 1845. Desempenhou muitas missões até 1940, ano em que deixou de ser utilizado pela Marinha e passou a ser a sede da “Obra Social da Fragata D. Fernando”, instituição que acolhia jovens de fracos recursos sociais. Durante anos, os cadetes da Escola Naval que embarcavam no Cais da Marinha e iam para o Alfeite, para a Escola, passavam ao lado do velho casco da Fragata e olhavam-no com algum espanto e nostalgia. Até que em 1963 um incêndio quase o destruiu por completo e a sua função terminou. Só em 1992 a Marinha Portuguesa, com apoio do Estado, iniciou a recuperação do veleiro, recorrendo ao Arsenal do Alfeite e aos estaleiros de Aveiro. Uma competentíssima comissão de investigação histórica conseguiu a sua perfeita reabilitação e o navio esteve exposto na Expo 98, com grande sucesso e significativo número de visitantes. Acabada a Expo a Comissão de Marinha começou a debater-se com enormes dificuldades de conservação e manutenção tendo, apesar disso, conseguido que, durante algum tempo, a Fragata estivesse atracada na Rocha de Conde Óbidos. Mas, infelizmente, não resistiu às intempéries financeiras que sempre nos perseguem e, a partir de 1 de Março de 2008, foi instalada em doca seca, em Cacilhas, onde ainda se encontra. Diz-se que é para receber os necessários trabalhos de manutenção. As visitas, no entanto, continuam. Passei por lá há dias e encontrei-me com ela por trás do parque de camionagem e do próprio parque de estacionamento que eu tinha utilizado para o meu carro. Como nos tempos da Escola Naval, olhei para ela com espanto e nostalgia. E perguntei se havia muitas visitas. Disseram-me que, ao fim de semana, alguns pais mais dados às coisas do mar levam lá os filhos para lhes mostrar aquele monumento escondido.
Duas formas distintas de tratar e reconhecer o património: o Vasa e a Dom Fernando. Os milhares de turistas que desembarcam em Estocolmo começam por visitar, quase por prestar homenagem, ao Vasa. Ninguém acreditará que os milhares de turistas que desembarcam em Lisboa, por avião ou vindos em gigantescos navios de cruzeiro que atracam em Santa Apolónia, se dêem ao trabalho de ir a Cacilhas visitar a gloriosa Dom Fernando. Talvez um dia as entidades responsáveis consigam resolver esta situação e encontrem um local digno onde a Fragata Dom Fernando II e Glória possa ser visitada, em todo o seu esplendor, pelos milhares de visitantes que nos procuram. Além de ser prestigiante é uma valiosa fonte de receita. E sabem?… Eu acredito na Marinha e tenho esperança que esse projeto já esteja a ser pensado. Para a nossa Glória e para a da Fragata.
Interessante, esta história do Vasa, e a forma como foi exposta. Segui com interesse, a sua recuperação e admirei todo aquele esforço para o trazerem de novo à luz do dia…! Um belíssimo exemplo de um país, que não tem sequer, nem metade dos nossos feitos marítimos…!
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