Tragédia em português

 

O texto de hoje é uma lágrima vinda do coração… talvez merecesse ser um poema, mas a dor que nos assaltou até a isso se opõe. Talvez seja uma prosa poética,  mas talvez seja mais o ressoar de carrilhões fantásticos propagando um requiem doloroso e amargurado.

Moçambique vive um pesadelo monstruoso. O ciclone Idai encarregou-se de destruir áreas imensas de vida, milhares de vidas humanas , de afogar o pulsar de uma população que vivia, grande parte dela, em regime de auto-sustento, pobre, mas vivia. Gente feliz apesar da vida, feliz como só o sabe ser aquele para quem a sua alma, os seus familiares e amigos, os seus braços e os temperos ou destemperos do quotidiano, são toda a sua riqueza e a sua paz.

Nunca estive em Moçambique (por coincidências da vida) mas muitos amigos meus são de lá,  lá viveram  ou por lá passaram. Convivi e confraternizei com amigos de Moçambique e relembro-lhes as caras joviais, fraternas e solidárias para com os objetivos que  perseguíamos.

O mundo traz-nos, de quando em quando, notícias deste jaez. No Haiti, em Porto Rico, em New Orleans,  na Indonésia, na Malásia, um pouco, enfim, por todo o mundo. Vemos as imagens e recolhemo-nos. Imaginamos todos aqueles sofrimentos. Não são, em essência, diferentes dos de Moçambique mas, para nós, com uma diferença crucial: esta desgraça fala português. É como se tudo se passasse aqui, ao pé dos nossos terríveis incêndios, é um sofrimento ao lado da  porta. É um choque para os nossos olhos e para os nossos corações. É fantástico como há tragédias que nos sobressaltam mais do que outras. Talvez seja injusto, é com certeza, mas sentimos que a dimensão desta desgraça não se atenuará tão depressa. Vamos continuar a falar dela durante muito tempo. Por isso digo que este requiem nos vai ressoar na alma. Mas não será um requiem final. Aquelas terras irão sobreviver, as vidas hão-de voltar   e nos noticiários que haveremos de continuar a ver, ouviremos vozes mais felizes, mais esperançadas, menos torturadas e falando-nos em português. Um português entoado, cantado, mas que nós entendemos bem. Isto de falar português tem que se lhe diga. Crava-se-nos no sentimento, obriga-nos a ouvir um “Aleluia” e esquecer o “Requiem” que nestes dias nos atormenta.

Esta tragédia é, para nós, maior, porque fala português!

 

Um pensamento sobre “Tragédia em português

  1. Esta tragédia é para mim muito grande , primeiro porque fala português e depois porque está a acontecer numa zona que me é muito querida: não é impunemente que se passam cinco anos a trabalhar em Moçambique , com portugueses e moçambicanos. Não foi só a trabalhar, foi a trabalhar e a fazer uma vida em comum, com uma simpatia e fraternidade inexcedíveis. Num grupo de trabalho que excedia os dois mil trabalhadores, passaram-se cinco anos, de perfeita harmonia tanto no trabalho como na vida social e particular. Foi um exemplo para todos nós , todas as amizades que se criaram e que perduraram por muitos tempo. COMO PODEREI NÃO SENTIR ESTA TRAGÉDIA ! Escreverei mais sobre este assunto. Agradeço ao meu grande amigo Manelzé , que com o seu artigo , me alertou para esta autêntica desgraça que se está a desenvolver. Obrigado. Grande abraço !

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