O Fantasma da Ópera é um romance francês de 1910, da autoria de Gaston Leroux , adaptado como espetáculo musical, com a música inesquecível de Sir Andrew Lloyd Webber. É uma história de ficção, base de um chamado romance gótico, muito lido ao longo dos anos, mas ganhando todo o seu reconhecimento quando do lançamento, em 1986, do esplêndido musical que ainda hoje se mantém em palco. É, pois, uma história de ficção que serve, apenas, como modelo para o tema, não de ficção, que hoje pretendo abordar: a ópera.
O espetáculo operático é, sem dúvida, um dos de maior complexidade para criar, montar, gerir e, nos tempos que correm , transmiti-lo e fazê-lo bem acolhido junto das novas gerações. A ópera é, não só entre nós como em muitos países do mundo, um espetáculo para terceiras idades, gente que já conhece as peças que vai ver, que já as viu diversas vezes e que as compara entre si, tanto na sua montagem como no desempenho das orquestras e dos cantores. Os temas sobre os quais as músicas se instalam (os chamados “libretos”) foram, na sua esmagadora maioria, escritos há muitos anos e exalam perfumes de antiguidade, de drama e, muitas vezes, de inegável irrealismo para os tempos que correm. As centenas de óperas que fizeram o seu percurso histórico até aos nossos dias ficaram plasmadas em torno de árias maravilhosas que novos e velhos trauteiam sem saberem muito bem, alguns deles, as suas origens. Essa plêiade maravilhosa de divas, maestros, coros, solos, orquestras continuam a ser um encantamento para os mais conhecedores e para os iniciados, amadores ou profissionais. É, sem dúvida, uma arte elitista (há que dizê-lo) mas de um enorme encanto para quem com ela se envolve e melhor a conhece. E o curioso é que as obras modernas (que também existem) não têm conseguido vingar na apreciação do grande público e relegam-se, discretamente, para o âmbito dos mais conhecedores.
Para além dos cantores famosos e das orquestras extraordinárias há uma operação oculta do público que permite apreciar as montagens mais deslumbrantes em palco. E aqui, sim, os cenários variam com alguma regularidade e, muitas vezes, com grande ousadia. As filmagens hoje disponíveis permitem-nos ver em direto o exercício dessa profissão fantástica que é a “engenharia de palco”. Uma quase multidão de manobradores que, durante os curtos intervalos de que dispõem, alteram, remodelam, deslocam, reagrupam peças e conjuntos que deslumbram os espectadores quando, de novo, o pano se abre.
É realmente difícil fazer ópera por tudo o que ela exige, a começar pelos locais apropriados. Os fossos de orquestra e as engrenagens de palco são muito dispendiosos, para depois serem preenchidos por artistas cujos custos não são dispiciendos. E não há receita direta que suporte os custos em causa. O nosso Teatro S. Carlos tem passado por amarguras financeiras que, embora com menor dimensão, são semelhantes às que se verificam em todas as óperas do mundo. Gerir um teatro de ópera é, sem dúvida, uma missão muito complexa, sobretudo quando se pretende que os seus espetáculos sejam mais populares, alargando o mundo social a que se destinam.
Será um bom exemplo o que se tem vindo a passar com a Ópera de Paris, instituição criada em 1669 por Luis XIV como Academia de Ópera e, mais tarde, designada por Academia Real de Música. O âmbito das suas atividades artísticas eram, exclusivamente, a ópera e o “ballet”. Essas funções repartem-se, atualmente, com a ópera no Teatro da Bastilha, inaugurado em 1989, e o “balet” no famoso Palácio Garnier, inaugurado em 1875.
O atual diretor da Ópera de Paris, Stéphane Lissner, abandonará o seu cargo em 2021 e a sua substituição já desencadeou uma “guerra” entre putativos candidatos, exercendo-se influências institucionais e políticas aos mais altos níveis de França. No fundo, do que se trata é designar um diretor para gerir as 2000 pessoas que trabalham na instituição, com um orçamento de 220 milhões de Euros, pondo em palco, como aconteceu na temporada de 2018-2019, 383 espetáculos, dos quais 199 óperas, 178 “ballets” e 6 concertos sinfónicos. É obra!
Depois de um ano infernal de influências e de propostas mais ou menos informais, o ministro da Cultura francês resolveu estabelecer um processo aberto de candidatura que passa por audições filmadas de todos os candidatos, perante um juri presidido por Jean-Pierre Clamadieu, personalidade próxima do Presidente Macron. Cada candidato tem um período de 20 minutos para expor os seus projetos para a instituição, seguindo-se um período de uma hora para questões a serem postas pelo juri. “Hélas”, esta coisa não deve ser fácil! E já começou a 9 e 10 de Março. São 11 os candidatos que vão desde o Diretor do Teatro Real de Madrid, o da Ópera de Monte Carlo, a diretora artística do Liceu de Barcelona, os diretores das Óperas de Toronto, Dijon, Bordéus, Viena, Toulouse e o do Grande Teatro de Genève. Não se sabe qual será o melhor colocado para a gestão, reforma e inovação deste grande império artístico cujo financiamento vem dois terços da bilheteira e um terço do mecenato. Podemos relembrar que cada bilhete para a ópera “Otelo” atingiu valores de 210 Euros e de 140 Euros para “O Lago dos Cisnes”.
O que se passa em Paris passa-se também em muitas outras cidades do mundo. Operações muito difíceis para espetáculos muito complexos. Entre nós os problemas, com a sua escala própria, padecem dos mesmos males. Poderemos aproveitar ( quem conseguir arranjar bilhetes para as temporadas futuras) para assistir na Fundação Calouste Gulbenkian às transmissões em video, do Metropolitan de Nova York, das óperas famosas que por lá são exibidas. Ali, com o apoio financeiro das Fundações da Família Neubauer, Bloomberg e Toll Brothers. E com a Rolex e mais algumas marcas famosas. O resto vem da bilheteira. Mas vale a pena ver todas as engenharias de palco em direto.
Por isso apelidei este pequeno arrazoado de “O Fantasma da Ópera”, não para o denegrir ou o atacar mas, antes, para o enaltecer e chamar a atenção para a complexidade da sua existência. Não será por acaso que figuras tão importantes no mundo das artes “rasguem as suas vestes” para tentarem dirigir o que, à partida, parece assombrado por um terrível fantasma. Além de trabalho, competência e génio o lugar também lhes dará, seguramente, muito poder.
Achei interessante, ao ler este belíssimo texto, de me transportar por momentos, aos tempos em que, ainda jovens, apaixonados pelo Bel Canto, espalhávamos a beleza de grandes áreas de Operas pelas ruas do bairro onde morávamos. Éramos um pequeno grupo de ” Romeus cantores “, que pela entrada da noite, se postava em frente das janelas, de algumas ” Julietas ” lá do bairro, desafiando-as a vir às janelas, e escutarem as nossas habilidades líricas. É verdade, que não eram muitas as janela que se abriam. Por vezes, uma persiana se abria timidamente, deixando-nos a esperança de podermos cantar outras áreas que não fosse a punjente ” Una furtiva lagrima “, de um deteriorado Elixir d´ Amore…!Tito Schipa ou Beniamino Gigli, contorcer-se-iam de inveja, se soubessem como os secundarisávamos daquela maneira, sem a acústica de um ” alla Scala ” de Milão ou de uma Opera de Paris…! Outras áreas dos nossos encanto, se repetiam, com Puccini , Verdi e Leoncavallo, acabando com a voz rouca, de tanto nos esforçarmos…! Nunca entrei no S, Carlos, limitando-me, já mais adulto, a deliciar-me com as sessões do Coliseu, que me encantavam. O cinema, substituia quase sempre, a minha sofreguidão de conhecimento musical, sem perdas de pormenores de sociedade, embora sem aquele feitiço de ver pessoalmente, todo aquele esplendor das salas de espectáculo, como se nos desse o prazer de entrar na sua história…! A Opera, não morreu ! Apenas sofre do vício de certas sociedades, cujo egoísmo faz desta arte, um mote de sua exclusiva ostentação…!
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Tive o privilégio de ter assistido a várias óperas, na nossa cidade de Lisboa, tanto no Teatro S. Carlos como no Coliseu dos Recreios, embora prefira, por todas as razões, assistir no Teatro S. Carlos. Pratiquei muitos desportos, entre os quais, tive aulas de ballet, no famoso Ginásio Clube Português, durante 7 anos da minha vida (em determinada altura quis mesmo ser bailarina) e os meus pais souberam aproveitar muito bem, o facto de eu adorar ballet clássico, participar em vários espectáculos no Teatro Tivoli e ter sido espectadora de tantos outros, para me aproximarem de outras artes. Já o fiz com as minhas filhas, que também gostaram.
Desde a primeira ópera a que assisti até aos dias de hoje, sempre que vou a um espectáculo de ópera, fico encantada… a kind of magic…
Lamentavelmente, as artes e muito da cultura no nosso país, (e não só em Portugal) não é “para todos”. Há muitas pessoas que não sabem o que é a arte porque não têm acesso a ela, e um povo sem cultura é um povo sem alma.
Obrigada por relembrar a ópera e partilhá-la por aqui.
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