Acalme-se quem gosta da música de Wagner. E acalmem-se os que não gostam da música de Wagner porque esses serão sempre incógnitos: dirão sempre que gostam de Wagner porque dizer o contrário expurgá-los-ia do convívio dos conhecedores musicais e de muitos dos seus amigos, incondicionais apaixonados pelo compositor. Calma, portanto, não vamos discutir Wagner. Se o fizesse, teria amanhã muitos dos meus familiares e amigos a insultarem-me e a rirem-se da minha ignorante ingenuidade. E, por acaso, há coisas de Wagner de que gosto muito (embora as tais 4/6 horas por ópera exijam, realmente, uma sessão prévia de natação ou fisioterapia e jantarinho pelo meio…).
Mas vamos ao que hoje nos interessa. Um músico da Royal Opera House, de seu nome Christopher Goldscheider, membro do naipe de violas da orquestra, ficou com um nível de surdez irreparavel, após um ensaio , em 2012, da ópera “O Anel de Nibelungo”, de Wagner, claro. O nosso músico estava sentado em frente a um naipe de 18 trompetes, tendo ficado exposto a níveis de ruido inaceitáveis. Com 45 anos, ficou de tal forma afetado que não poderá tocar de novo em orquestra. Os sintomas passaram a ser graves: tonturas, dores e náuseas que o inibem de suportar qualquer outro tipo de ruido.
A família pôs um processo em tribunal contra a Royal Opera House que acaba de ser condenada pelo facto. Claro que a Royal recorreu dizendo, através dos seus advogados, que a lei não distingue o ruido industrial de uma fábrica de “uma das maiores instituições artísticas do mundo para a qual o “ruido” é um produto da sua arte”. Mas o juizo final foi favorável a Goldscheider levando em conta os danos causados. Ainda está a ser avaliada a indemnização que se estima, no entanto, à volta das 750.000 Libras.
Mas falemos um pouco de Wagner para que não se pense que “vítimas” destas são muito frequentes. Em Lisboa há um “Círculo Richard Wagner” ao qual pertencem imensos apreciadores e estudiosos do compositor. Grande parte dessa gente sabe de cor os acordes de todas as óperas (e são muitas e longas) embora haja quem cultive o Centro apenas em termos sociais. Mas esses não interessam.
Richard Wagner nasceu em Leipzig, em 1813, e morreu em Veneza, em 1883. Wagner deu à ópera uma inédita intensidade musical e alterou a própria experiência de ir à ópera. Ele próprio escrevia os libretos, escolhia os cantores, dirigia a orquestra e até criou um teatro de ópera diferente dos outros. O seu monumental ciclo do Anel, constituido por quatro óperas (Ouro do Reno, Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses) ocupa um lugar específico na cultura ocidental. Em Bayreuth, onde viveu, conseguiu construir um moderno teatro de ópera, inaugurado em 1876 justamente com o ciclo do Anel. O poço da orquestra ficava num nível inferior, fora da vista do público, de modo a que a música parecesse emergir do drama encenado. Eliminou camarotes e tribunas, onde os mais endinheirados viam e ouviam em posição privilegiada. As condições de visibilidade e acústica eram iguais para todos. Pôs a sala às escuras para que a atenção do público se dirigisse para a única fonte de luz: o palco. E sem coxias entre os lugares sentados para os espectadores não poderem circular durante os espetáculos. A Ópera, com Wagner, transformou-se num acontecimento mítico, sagrado.
Conseguir bilhete e ir a Bayreuth é, porventura, a suprema ambição dos grandes apreciadores de Wagner. Nunca lá fui nem irei, mas não nego que deve ser uma experiência exaltante. Vou-me resolvendo com as transmissões do MET na Gulbenkian e lá estarei, no próximo sábado, para ver A Valquíria. Como se percebe há “vítimas” de Wagner de diversas espécies. Eu prefiro esta, à do pobre viola que ficou surdo com a “trompeteria”!
Parafraseando livremente Rossini, “a música de Wagner tem momentos sublimes e quartos de hora insuportáveis”! 😁
GostarLiked by 1 person
Não podia esperar melhor, do que este tema que aprecio bastante ! A obra de Richard Wagner…! O som envolvente, que nos sufoca, retendo-nos a respiração por momentos. O Anel do Niebelungo, uma obra prima, como todas as outras. A Valquiria, Lohengrin, Tannhauser, e O Navio Fantasma , com a sua Abertura fantástica, empolgante, que nos deixa as pontas dos dedos gelados, expectante…! A música épica de Richard Wagner, que deixou surdo aquele pobre guitarrista e nos deixa tantas vezes gelados, ou enfeitiçado com os Prelúdios…! Uma mente prodigiosa, virada para a música. Talvez, vindo de uma Floresta Negra, cheia de mistérios e as tempestades gélidas do Mar do Norte !
GostarLiked by 1 person