O termo não pertence ao glossário português e duvido que pertença a qualquer outro linguajar estrangeiro. Mas foi bem inventado pela jornalista, escritora e apresentadora de televisão turca Ece Temelkuran, de 45 anos, ao longo dos seus muitos artigos dedicados à política internacional e em especial à do seu país, de onde já saiu para evitar perigos iminentes. Já tinha sido demitida da televisão Haberturk, depois da sua denúncia do massacre de 2011.
Este título e o conceito nele inscrito vão bem ao encontro de anteriores textos que eu próprio escrevi neste blogue, em especial “Como Vamos de Democracia” de 18/05/2017, “A Democracia Está a Morrer?” de 4/5/2018 ou “A Época dos Homens Fortes” de 7/6/2018.
O termo “democratura” é, evidentemente, uma ousada conjugação de democracia e ditadura que Ece Temelkuran explica bem no seu livro “Como Se Perde Um País”, recentemente publicado. Ece é uma opositora convicta do lider turco Recep Tayyip Erdogan que tem vindo a confirmar o seu país como “o laboratório dos populismos que ameaçam os sistemas democráticos tradicionais”. Segundo ela, e tanto quanto nos é possível deduzir, a “democratura” é possível em toda a parte, mesmo nas mais antigas democracias. Ece vai ao ponto de sugerir que o mundo poderá regessar aos tempos de 1930, embora tenha vindo a ser contrariada pelos recentes acontecimentos da Argélia, por exemplo, onde uma cleptocracia de partido único deixou, aparentemente, de ser viável e, na própria Turquia, o seu país, Erdogan começa a sentir os primeiros desastres eleitorais. O facto de ser feminista, de esquerda, pró-curda e pró-arménia tem-lhe dado uma forte adesão popular, fazendo imaginar o regresso de um partido “kemalista”, baseado nos votos laicos e apátridas. Como, aliás, Keimal Ataturk conseguiu, pedindo aos islamitas que se mantivessem discretos nas suas atividades. Foi a forma de ocupar todo o espaço político do país e dar-lhe o impulso de modernização de que carecia. O livro de Ece Temulkaran sugere este regresso do populismo neo-islamita e compara-o, um pouco surpreendentemente, com o que se passa com Trump, Putin, Orban, Farage, Le Pen, Bolsonaro… Mas esquece, curiosamente, casos como a Venezuela, as Filipinas e outros. A Europa tem reagido, ao longo dos anos, de forma evolutiva no que respeita às tentativas de inclusão da Turquia na União Europeia. Tratando-se de um país estrategicamente fundamental para a Europa (já pertencendo à NATO), os seus difíceis equilíbrios religiosos e os manifestos ataques à democracia têm-na afastado da filosofia europeia. O próprio povo turco já perdeu a confiança na conjuntura da Europa e da capacidade dos seus lideres. Ninguém quis relembrar que Erdogan e os seus amigos têm origem em grupos sunitas radicais o que torna o “casamento” desse islão com a democracia uma completa ilusão. Vive-se a “democratura”, porque as eleições ainda existem, mas o perigo de “Perder o País”, segundo Ece, é muito grande. Vale a pena pensar no que ela diz e enquadrá-la nas realidades que diversos países já estão a viver. Muita coisa está a mudar no mundo e é preciso que políticos e instituições atendam a essas novas tendências.
Um título sugestivo, que o século passado tão pródigo foi. As românticas ditaduras, com ares de populismo benevolente, misturadas com o patriotismo efervescente e a decência, que exortava as multidões em redor de um salvador. A história, não acabou com Péron e Evita. Nem sabemos ( ou sabemos ? ) que ainda nem vai a meio…! Tudo depende, de que é feito a massa muscular das democracias !
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