A proposta de diploma para permitir o voto em Portugal a partir dos 16 anos, apresentado pelo partido PAN, foi agora recusado pela Assembleia da República.
Votaram contra, os partidos PSD, PS, CDS, PCP e PEV. Houve 3 abstenções . A favor votaram o BE e mais 2 deputados. Dir-se-á: ponto final, parágrafo. Não vem mal ao mundo, ao nosso mundo, e é menos uma preocupação para mexer no texto constitucional.
Acho, no entanto, que se trata de um bom motivo de reflexão. Talvez valha a pena falar disto como já o fizeram distintos sociólogos, psicólogos e politólogos da nossa praça. Será que a pergunta deveria ser posta, como foi, passando ao lado de algumas das nossas realidades?
Convivo com muitos jovens estudantes (estudantes normais, bons estudantes, estudantes assim-assim) e sei que quando terminaram o 12º ano e chegaram, a seguir, aos 18 anos, ficaram embaraçados com a decisão política de votar mas, sobretudo, o que votar. Votar em quê e para quê? E alguns deles pediram-me que os ajudasse a ultrapassar as suas barreiras. Eram alunos normais, não inscritos ou participantes em juventudes partidárias.
Verifiquei, nessa altura, que não sabiam o que era uma Junta de Freguesia, uma Assembleia Municipal, um vereador, um deputado e, em boa verdade, tinham ouvido falar vagamente da Constituição. E alguns destes jovens pertencem a famílias onde se fala e discute temas políticos. Temas que esses jovens, afogados nas modernas solicitações informáticas, vêem passar em tropel e de forma muitas vezes desenquadrada, nos noticiários televisivos.
Então onde está a falha que proporciona aquele desconcertante nível de ignorância? No sistema de ensino, claro. Nada de organização política do país lhes é ensinado durante os cursos (lá venho eu, outra vez, com a malfadada cadeira de OPAN – Organização Política e Administrativa da Nação, dada no meu tempo…). E é por aí que tudo deve começar. Dir-se-á que há cadeiras que abordam, “en passant”, algumas dessas coisas. Mas não chega, claramente não chega. E não é através das juventudes partidárias que se formam conhecimentos políticos “descontaminados” do partido em que o jovem se possa ter inscrito. A liberdade intelectual de saber o sistema em que vivem permitir-lhes-á, depois, escolher a tendência com que mais concordarem.
Estamos a falar do quadro nacional de eleições mas é bom que nos apercebamos que estão a chegar umas eleições europeias para as quais, os candidatos portugueses, que temos podido ouvir, nada dizem de pedagógico. Maledicência, intriga, ataques pessoais, pronunciamentos diletantes, quase que obscenidades políticas é o que se tem ouvido nas famosas intervenções dos tempos de antena. Esclarecer com nitidez os órgãos para os quais vamos votar, quais as responsabilidades desses órgãos, que vantagens ou desvantagens poderemos colher com as nossas intervenções nesses areópagos, são assuntos que não nos são transmitidos acusando, por outro lado, os cidadãos de desinteresse e ignorância.
Há argumentos a favor e contra o voto aos 16 anos. Uns dizem que o progressivo envelhecimento da população seria colmatada com a adesão de juventude mais precoce. Que, mais cedo, essa juventude estaria envolvida no fenómeno político e poderia garantir (ou não…) uma maior estabilidade democrática. Fala-se de um abstencionismo enorme na faixa etária dos 18 aos 24 anos o que, provavelmente, continuaria a acontecer com a faixa dos 16 aos 17. Se o nível de informação continuar, evidentemente, a ser o mesmo. Que distingue um jovem de 24 anos e uma pessoa iletrada de 50? Ambos se abstêm ou votam por sentimento?
Não estou pedagogicamente habilitado a pronunciar-me sobre a maturidade ou não maturidade de um jovem de 16 anos para exercer o direito de voto mas sei que , nessa idade, já é imputável por crimes eventualmente cometidos, já pode casar e trabalhar descontando para a Segurança Social. Votar é que não. É uma situação problemática para a qual não foi encontrada resposta convincente. Há seis países no mundo onde os jovens de 16 anos podem votar: Argentina, Áustria, Brasil, Cuba, Equador, Malta e Nicarágua. Há um cantão suiço e três dependências da Coroa Britânica onde a situação é idêntica. Não consta que tenham acontecido desgraças por esse facto. (Quem pôs Bolsonaro no poder não foi, decerto, a estreitíssima faixa dos jovens de 16 ou 17 anos que tenham querido votar). Por outro lado a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou por 19 contra 7 , a possibilidade de votar dos jovens a partir dos 16 anos.
Que fazer, então? Penso, como disse no princípio, ser essencial que o sistema educativo se modifique e se atualize para passar a dar aos jovens a formação necessária para exercício desse direito. A pergunta feita na Assembleia da República há poucos dias foi, obviamente, precipitada e desenquadrada da nossa realidade. O resultado só poderia ser o que foi. Depois de toda uma fase de formação escolar, seria essencial que os especialistas se pronunciassem, de forma séria e conhecedora, sobre a capacidade responsável desses jovens. A faixa de 16/17 anos não irá influenciar o quadro eleitoral do nosso país mas seria bom que esta dúvida sistemática pudesse ser superada.
E seria mais correto que não voltassem a ser feitas perguntas, na Assembleia da República, com esta precipitação e incipiência.
“… ser essencial que o sistema educativo se modifique e se atualize para passar a dar aos jovens a formação necessária para exercício desse direito. A pergunta feita na Assembleia da República há poucos dias foi, obviamente, precipitada e desenquadrada da nossa realidade. O resultado só poderia ser o que foi…”. No fundo, é isto. Não se pode “pôr a carroça à frente dos bois” como diz o ditado. A grande maioria dos jovens em Portugal, não só aos 16 anos, mas também aos 18 anos, não estão formados, sensibilizados, habilitados, interessados e até motivados pela política. Não só devido ao Sistema de Ensino, mas também, devido e muito à (des)informação que existe, através dos Partidos, dos Políticos e mais ainda pela Comunicação Social. Muito terá que ser alterado até lá chegar! Como em tudo, primeiro têm que se criar as bases. Se estas não existem ou não existirem, a participação dos jovens na vida política será fraca e incompetente, talvez apenas movida por “interesses” e lobbies.
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Um assunto bem observado e muito actual..! A situação, é bem demonstrativa da carência pecaminosa, do sentido de responsabilidade em que se vive no nosso país. Era bem necessário, que as bases do sistema democrático e a Constituição, desde cedo, fossem ensinadas e discutidas nas escolas, fazendo sentir nos jovens, a sua inclusão futura, nos destinos e da felicidade país. A nossa Democracia, hoje, por falta desses jovens mais esclarecidos, volta a ser um sonho por realizar, pelo excesso de tolerância a vícios e à promiscuidade abjecta em que caiu…!
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