Com o devido respeito e autorização, retomo o titulo de um artigo escrito há cerca de um ano por um distinto oficial da Armada que viveu e deu testemunho do que considerou ser a “última salva do Império”, quando comandava, na Guiné Bissau, uma difícil e controversa operação naval.
A guerra colonial portuguesa foi temporalmente extensa, muito salpicada de ações diversas e de diferentes divulgações , mas que deixou um tormentoso e doloroso legado de mortes e sacrifícios inúteis, em prol de uma causa para a qual a História sempre nos indicava caminhos alternativos. Desde a perda dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, perto da costa oeste da Índia, em 1954, até à sucessão de independências de todos os territórios integrados no que se chamou “O Império Colonial Português”, já nas décadas de 60/ 70 do século passado, muitos incidentes culminaram em teatros de guerra, com as consequências de perda humanas , de dilaceração de economias, de desacompanhamento internacional, quando o mundo se encaminhava, sem equívocos, para o reconhecimento de autonomias, independências e liberdades que era o caminho oposto ao da cegueira tutelar que, infelizmente, nos acompanhou durante um largo período de tempo. Não vale a pena escrever, aqui, sobre isto, depois de tudo o que já se escreveu e disse sobre a evolução da nossa História.
Será, no entanto, curioso, principalmente para as gerações que desconhecem por completo esta fase da nossa História, relatar, com base em fontes seguras, incidentes pouco divulgados e que se constituem quase como “Paradoxos da História”.
A operação militar “Mar Verde”, efetivamente desencadeada no dia 22 de Novembro de 1970, foi, basicamente, um ataque concertado de tropas portuguesas à República da Guiné Conakri, onde se tinham refugiado os membros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), com o objetivo final de abater o Presidente Sekou Touré. Foi uma operação falhada por razões estratégicas e militares , já largamente analisadas , e que poderão ser consultadas pelos mais interessados.
O que nos traz aqui hoje é o relato de um comandante presente numa parte dessa operação e que esclarece algumas imprecisões que, sobre o tema, foram, na altura, diluidas ou nem sequer referidas. “Uma lancha da Marinha Portuguesa, NRP “Montante”, inicia o regresso à base da ilha de Soga, após o desenlace frustrado da operação global. Nessa altura recebe ordem para inverter o rumo e ir recolher uma dezena de elementos da Companhia de Comandos que se tinham atrasado por razões não esclarecidas. Eram 9 horas da manhã. O navio aproximou-se a cerca de 800 metros de terra, pairando alguns minutos, tendo sido arriado um bote a motor no qual embarcou o referido pessoal, regressando a bordo, após o que foi iniciado o regresso à formatura naval. Nessa altura são disparados de terra alguns tiros de armas pesadas, visando o navio, pelo que a “Montante” iniciou algumas manobras de zig-zag enquanto se informava o Comandante da Força Naval sobre o ataque que ocorria. O Comando autorizou a “Montante” e outra lancha na zona, a “Dragão”, a dispararem “4 tiros de peça de 40mm sobre os pontos prováveis do tiro inimigo, junto à margem”. Assim foi feito, embora não seja possível recordar se foi excedido o número de 4 disparos, tendo cessado o fogo hostil.
Este pequeno mas interessante relato acaba por nos informar onde, nos interstícios da História, tiveram lugar as últimas salvas de fogo real do império colonial português. E, recorrendo uma vez mais às declarações do próprio Comandante que a executou: “Assim se concretizaram as que julgo terem sido as últimas salvas do império, nalgumas das quais a “voz de fogo” foi da responsabilidade de um Comandante de Navio que, ao abrigo da Ordenança do Serviço Naval, tinha oportuna e lealmente exposto as suas dúvidas sobre os objetivos estratégicos da operação “Mar Verde”, salvo no que respeitava à libertação dos prisioneiros de guerra portugueses que se encontravam em Conakri.”
É com relatos como este (de que há muitos exemplos) que nos confrontamos com os Paradoxos da História.
Caro Manuel José
Embora militarmente fosse um pequeno episódio,o facto de ter sido o último disparo em combate da Armada Portuguesa na guerra colonial torna-o de facto significativo.
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