Com o tempo todo de que agora dispomos acontecem-nos coisas perfeitamente inesperadas. Ontem recebi um telefonema, no meu telemóvel, com chamada não identificada. Não é meu hábito atender esse tipo de telefonemas que, em boa verdade, raras vezes me acontecem. Mas ontem, talvez levado pela solidão destes dias e por algum espírito de solidariedade, atendi. Foi assim:

Eu – Allô! Quem fala?

TM – É um inimigo seu que quer fazer as pazes consigo.

Eu – Inimigo? Pazes? Quem fala?

TM – É o Covid19. Conhece-me?

Eu – Só pelas notícias, claro. Felizmente, não pessoalmente. Mas porque me telefona?

TM – É que na minha lista o senhor consta ter mais de 70 anos de idade. É verdade?

Eu – Sim… É verdade… Mas estou bem de saúde e não tenho saído de casa…

TM – Isso não quer dizer nada. Se eu lhe puder fazer uma visita verá que as coisas não são bem assim.

Eu – Isso era o que você queria… Mas não o quero cá… A propósito, o senhor fala?

TM – Sim, na minha última mutação adquirimos a capacidade de falar. O que facilita muito estes contactos e os avisos prévios que posso mandar à população.

Eu – Sim, mas eu só ligo à DGS e às entidades oficiais. O resto, para mim, são papagaios.

TM – Mas faz mal… Os meus conselhos podem ser-lhe muito  úteis atendendo, claro, à faixa etária em que se encontra. Quanto mais depressa nos encontrarmos, mais depressa poderá decidir o seu futuro.

Eu – Isso sei eu… Se me encontrar consigo estou feito, não há Saúde 24 que me safe! O que você quer fazer chama-se “eugenia”, matar os grupos sem interesse. E eu acho que continuo a ter interesse…

TM – Interesse? Para quem? Só se for para si e isso é egoísmo. Você tem que perceber que está a mais, que já ninguém tem paciência para o aturar, que a Segurança Social vai falir e não vai haver dinheiro para lhe pagar a reforma…

Eu – Mas o Centeno diz que não, que está tudo no bom caminho, e eu acredito nos responsáveis do meu país.

TM – Ah, sim? E o que diz o Chicão, não interessa? E o Ventura, também não? Não se iluda, você está “para acabar” e quanto mais depressa for,  menos se gasta no funeral.Era bom que nos encontrássemos para me conhecer melhor e verá que não sou tão mau como me pintam…

Eu – Já o conheço de ginjeira, todos os dias o vejo na TV, a todas as horas, e não é você agora que me vem dizer que é boa pessoa… Quando se descobrir a vacina, conversamos… Aí quem se lixa é você…

TM – Não pense nisso… Isso da vacina é uma grande conversa… Eu estou a pau, e assim que eles estiverem quase a descobri-la, eu muto. Vou mutando, mutando sempre…

Eu – Olhe, a conversa já vai longa e não estou para o aturar. Mas antes de desligar quero dizer-lhe que interesso ainda a muita genta… Os meus amigos, a minha família… ah, e é verdade,  tenho uma neta enfermeira que está destacada num Departamento do Covid19 e garanto-lhe, se o apanha lá, dá cabo de si em três tempos. Com licença…

E desliguei, ou melhor, acordei, porque tudo isto não passou de um pesadelo divertido. Porque não teve consequências, claro. Até agora…

 

(Não é um texto de humor negro, é apenas a procura de um momento mais divertido no meio desta paranóia a que todos estamos obrigados. E o melhor é continuarmos a não sair, a lavar sempre as mãos e a seguir os conselhos da DGS!)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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