Estamos a viver uma época singular, um tempo de procedimentos inéditos, não só entre nós como em todo o mundo. Mesmo os que se lembram de crises anteriores (como é o meu caso) não terão passado por este espetáculo de viver uma vida em clausura, em confinamento, e assistir pela TV às imagens de metrópoles , por esse mundo fora, completamente desertas. Da janela de minha casa de onde, às horas de ponta, costumo ver filas incontáveis de automóveis, contabilizei, numa observação recente às tais mesmas horas de ponta, sete viaturas ciculando nos dois sentidos. Sabemos as razões e aceitamo-las mas o facto, em si, não deixa de nos confrontar com uma realidade nova, inesperada, ocasional e de duração desconhecida. Habituados como estávamos aos determinismos da vida, surge-nos agora algo de novo e imprevisível: o acaso. E este acaso, que a maior parte de nós só tínha adivinhado em filmes de antecipação científica, é agora real e, provavelmente, um verdadeiro factor de estudo para muitos casos semelhantes que o futuro nos trará. Sabemos o que são as guerras convencionais, passámos a saber bem o que são as guerras pulverizadas, tudo isso hoje já é suficientemente estudado e determinado. Mas a guerra biológica que estamos a viver não é resultado de qualquer determinismo, é fruto do acaso probabilístico da vida. Por isso a Ciência anda a estudar o assunto com tanto afã: para que o determinismo abranja também este fenómeno novo.
Nestas congeminações entre presente e futuro lembrei-me de rever os escritos de um pensador americano, Alvin Toffler, falecido em 2006, que nos inundou, na década de 80 do século passado, com previsões e deduções para o futuro que ele já antecipava. Escreveu três obras notáveis que têm servido de referência a muitos dos comentadores de hoje: “O Choque do Futuro”, “A Terceira Vaga” e “As Cartas do Futuro”. Com ele revi as três grandes revoluções mundiais: a primeira desencadeada pela agricultura, a segunda traduzida na sociedade industrial de massa e a terceira vaga que ele apelidou não só de revolução do computador mas também revolução biológica. E esta obrigaria, como realmente se veio a verificar, a uma restrututação completa da economia que deveria passar a contemplar os fenómenos biológicos já conhecidos ou em estudo e, ainda, todos os outros que o “acaso” nos pudesse trazer. Para além dos fenómenos biológicos (um dos quais estamos presentemente a viver) haveria a considerar o acaso de simples incidentes políticos que, por si, poderiam originar crises de dimensões mundiais. Tudo isto se tem verificado. E podemos dizer que, visto à luz dos anos 1980 a 1984, não deixa de ter uma boa parcela de antecipação.
Sem recusarmos o determinismo da vida, com todas as consequências esperadas decorrentes de fenómenos concretos e programados, passámos a ter que contar com os incidentes ocasionais que, cada vez mais, descontrolam as vidas e o mundo. As soluções originais para se sair de uma dessas crises, porque interferem com o trabalho (a economia) e com a família, estão nas mãos de todos nós. Por isso o “futuro” que vivemos agora exige um maior aperfeiçoamento das pessoas, maiores graus de estudo e de estratégia para que não caiamos no analfabetismo real. É fundamental não nos recusarmos a aprender, a reaprender e voltar a aprender. Há que pensar nas coisas grandes enquanto se fazem as pequenas para que possamos caminhar na direção certa.
Excelente oportunidade esta que estamos a viver, para que o mundo possa reconhecer o seu angustiante analfabetismo e o possa corrigir rapidamente. Tem-se vindo a assistir a um incremento notável na solidariedade, na compreensão pela fatalidade humana que assola países e continentes e, daí, o contraponto às certezas de que o mundo se arrogava. O “acaso” em contraponto ao determinismo é agora um facto real que acompanha os nossos dias. E, como dizia Toffler, “todas as novas soluções passam por nós”. Por isso estamos em casa, por isso lavamos as mãos com regularidade, seguimos as metodologias para as quais os responsáveis pela Saúde nos têm convocado. São eles que, lidando com o desconhecido, merecem a nossa atenção e o nosso respeito. Quem se aproveitar deste combate para se enaltecer ou fomentar desvios ao que pode ser feito está, sem dúvida, a excluir-se do combate geral por não cumprir aquilo que se lhe pede ou exige. Ao fim e ao cabo, a sua parte na luta comum, na nossa luta. Pela minha parte, e julgo que pela parte da maior parte dos cidadãos , cumpre-me ficar em casa e lavar as mãos. E é isso que continuarei a fazer. O “acaso” tem que ser vencido.