O Dilúvio Digital

Há muitos amigos meus que pertencem e pretendem que eu pertença a grupos de comunicação digital através dos quais, bem intencionadamente, se propõem dar-se, reciprocamente, ideias, “dicas”, notícias, imagens de boa disposição para melhorar, enfim, o nosso bem estar. A longa época de confinamento e de posterior contenção de saídas têm propiciado, de forma acentuadíssima, essa vontade de comunicar, de parecer estar presente, de mitigar a solidão. Não sou grande “profissional” desses sistemas embora não negue pertencer a alguns, não muitos, gentis grupos de comunicação familiar.

Entretanto os psicólogos, gente de quem eu gosto, na sua bem-aventurada missão de ajudarem os outros , vão fazendo estudos sociais do comportamento dos confinados e já começaram a surgir algumas conclusões interessantes. Os ingleses criaram um acrónimo, o FOMO, que são as iniciais de “Fear Of Missing Out”. Traduzindo para português talvez se possa dizer “Receio de ficar por fora”, ou seja o receio de, pelo facto de estarmos mais isolados, podermos ficar com a ideia de que estamos desligados da realidade e de coisas que vale a pena saber. Não é isso que os estudos dos psicólogos dizem. Temos, na realidade, assistido a uma explosão da comunicação. A generalização do teletrabalho, a utilização de múltiplos canais de comunicação (Facebook, WhatsApp, Zoom, Twitter, Slack e muitos outros) com o seu infindável cortejo de notificações, alertas, falsas notícias, comentários jocosos ou ilusoriamente científicos têm levado muita gente a elevadíssimos níveis de “stress” e saturação. Se este fenómeno se verifica particularmente nos jovens, os estudos também indicam que com os mais idosos esse “dilúvio” também se tem acentuado. A solidão e o confinamento têm contribuido muito para o tédio, a angústia, agitação, fortes perturbações de sono e até, imagine-se, muito mais discussões profissionais ou domésticas mesmo para quem adota o teletrabalho. E as crianças em casa… Meu Deus, e as crianças?…

É inegável que oe meios informatizados têm trazido enormes vantagens à vida em sociedade. Basta ver as aulas à distância, não presenciais, a facilidade de comunicação com pessoas e familiares que, por razões conjunturais, se encontram distantes e isoladas, a rapidez na troca de ideias entre cientistas afastados milhares de quilómetros mas perseguindo os mesmos objetivos, o teletrabalho empresarial, tudo isso são desenvolvimentos que vieram em força para ficar. São esses os benefícios do “dilúvio”. Mas a permanente ligação a tudo o que nos possa chegar de repente acaba por criar um inevitável esgotamento e prejudicial desvio de atenção daquilo que, profissionalmente, se possa estar a fazer. Dizem os psicólogos que, por cada alerta que chega, a pessoa é desviada durante dois minutos da tarefa que estava a executar. Ao fim de 30 notificações já se perdeu uma hora.

É para este “dilúvio” que devemos estar atentos. Já nos bastam os “twitts” dos importantes deste mundo que adotaram, agora, este meio minimalista de darem a conhecer as suas importantes ideias. Duvido que com um discurso mais longo e aprofundado essas pequenas “dicas” políticas não acabem por se desfazer em nada. A tal espuma dos dias de que hoje tanto se fala…  Por isso os psicólogos recomendam um afastamento prudente e sensato de toda a cornucópia informativa que nos despejam nos nossos parcos meios de comunicação. E eu concordo, estou com eles. Há vícios antigos que ainda nos podem ajudar a viver com certa alegria na nossa intimidade: o velho sofá  que sempre usámos para ouvir uma música que nos agrade, acompanhando esse ritual com um “whiskinho” fresquinho, com muitas pedras, uma “bujeca” ou outra bebida qualquer que nos faça sonhar com os melhores momentos da vida. O tal livro velho que começámos a reler também não é mau. Na fase em que estamos é bom dar umas boas voltas aos quarteirões e apanhar um bocado de sol por causa da vitamina D.  Já pensaram ir ao Jardim Zoológico (como dizíamos em miudos, “visitar a família”)? É um belo passeio. Claro que quem  vive no campo tem, nestas fases, apreciáveis vantagens. Tem isolamento gratuito, tem paisagens maravilhosas e ar puro à descrição.

Mas o que verdadeiramente ajuda é olharmos e ouvirmos durante mais tempo aqueles com quem vivemos, porque nem sempre as vidas aceleradas permitem essa tão grande bênção. E, no meio disso tudo, talvez possamos olhar um bocadinho para o “tablet” e tentar perceber os tantos disparates que por ali andam. Digitalização sim, claro, mas sem viciação. Fujamos do FOMO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 pensamentos sobre “O Dilúvio Digital

  1. No meio desta agradável leitura, fixei a sigla FOMO…! Ainda não tinha pensado, neste receio de nos sentirmos esquecidos. Possivelmente, já o tivesse sentido, com a ausência de contactos pessoais, ou de um encontro, ou de uma ida a um almoço, com conversas divertidas e de opiniões dispersas, sem preocupações. Um até amanhã, que nos ligava aos dias seguintes. Curiosamente, o Facebook e WhatsApp, foram-nos preenchendo, ainda que ao de leve, as lacunas que esta passagem do famigerado vírus, nos impôs. No meio disto tudo, resta a satisfação, de reconhecer a forma civilizada como o nosso povo tem reagido em todos os momentos…!

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  2. Boa análise da situação actual. De facto quem está no computador, ligado à internet, é constantemente distraído por “pop ups” ( é assim que se diz, não é, dos rectangulozinhos que aparecem com a informação duma notícia ou dum anúncio ? ). Às vezes parecem-me relevantes e vou ver, outros completamente inúteis. Como este que apareceu ontem por indicação do Expresso
    “…Aduriz tinha abandonado o futebol … ” Não me interessou saber quem é o Sr. Aduriz ,mas fixei pela invulgaridade do nome ou apelido. Mas pensando bem talvez fosse importante para quem pensa
    “fussball uber alles”

    .

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