Hoje é o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. É feriado não só para o ser, mas porque se trata do Dia mais importante para o nosso País. Desde que me lembro, as festividades do 10 de Junho reuniram sempre multidões por todo o país, para assistir a cerimónias que, durante muito tempo, também me lembro, se dedicavam a louvar, macabramente, muita da nossa juventude morta no ultramar. Um País que não sabia distinguir as epopeias do seu passado nem as fortes esperanças, que devia ter, para o seu futuro. Foi, durante muitos anos, a apologia da morte desnecessária, do sacrifício inútil dos seus melhores, da sua juventude, dos que sempre tinham alimentado a esperança de honrar Portugal na paz, no esplendor das suas virtudes, num anseio de transformação a que, infelizmente, não puderam assistir.
Isso, para nosso bem, acabou depois de 1974. As comemorações foram sofrendo modificações, lentas como todas as modificações, mas singrando uma rota mais viva, mais esperançada, mais voltada para o país real, para as suas necessidades futuras, para o seu indispensável engrandecimento. E os portugueses aderiram a essas novas formas de comemorar. Com alegria, com entusiasmo e alguma vaidade ao verem a sua bandeira, ao ouvirem o seu hino, ao verem os seus militares que sabiam envolvidos em missões de paz, de solidariedade, de respeito pelos valores da democracia que passaram a conhecer e a viver quotidianamente. Reconhecendo, no fundo, “as suas raízes” de que hoje tanto se falou e que tão bem foram enaltecidas.
Veio mais uma crise. Veio de fora, não por nossa culpa, mas de forma global, em todo o mundo. E Portugal sofreu e continua a sofrer as consequências dessa terrível pandemia. Mas, de forma avisada, o Presidente da República resumiu as Comemorações à sua essência mais significativa, à dignidade de uma Cerimónia que soube reunir o içar da bandeira ao som do Hino Nacional e da salva de 21 tiros de bordo da fragata fundeada frente a Belém, a passagem, sempre entusiasmante, de uma esquadrilha da Força Aérea sobre o local da cerimónia, na presença de 9 cadetes das Escolas Militares e de uma pequena banda da Força Aérea que tocou, bem, o hino nacional. Apenas sete convidados, os que deviam e não podiam deixar de estar. E sobretudo o organizador das Comemorações, o Cardeal Tolentino de Mendonça, um príncipe da Igreja e, como se sabe e hoje ficou mais que provado, um príncipe das Letras.
Claro que havia pouca gente a assistir, apenas alguns familiares dos militares em parada. Mas todo o país que se interessa por estas coisas (o outro ia a caminho desenfreado das praias para o fim de semana) pôde assistir a tudo pela televisão. Tudo foi discreto, solene, no ambiente inigualável dos claustros dos Jerónimos. Tudo acabou com o discurso do Presidente da República que, como se esperava, foi claro e eficaz. Mas antes dele falou o também poeta Tolentino de Mendonça. Vale a pena consultar, porque é publico, o texto que pronunciou. Digamos que o seu conteúdo valeu toda a cerimónia. Um texto de inteligência, de sabedoria, de cultura, de valor histórico. Foi buscar a Camões e a outros expoentes da cultura as “raízes” essenciais do nosso país. Chamou a atenção para a não subsidariedade de qualquer escalão etário na sociedade, perante a terrível crise que se continua a viver, lembrou o orgulho “de amar o País”. Valeu a pena ouvi-lo e, quem não o ouviu, não se deve dispensar de procurar o seu texto. Enorme contraste com o que se tem ouvido nos últimos anos. O último que me lembro com qualidade semelhante foi o de, há uns anos, o de António Barreto. A pergunta que nos ocorre é se será preciso mais do que isto para celebrar a data do 10 de Junho. Talvez, sim, mas a experiência de hoje fica-nos na memória pela sua eficácia. Falta a presença na diáspora e isso acho que será necessário complementar.
O Presidente da República resolveu condecorar a classe dos médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de diagnóstico, através da primeira equipa que se viu envolvida no tratamento do covid. Acho uma boa decisão e, por isso, vou recorrer à mesma imagem que já utilizei em textos anteriores, em louvor aos heróis da primeira linha.
Somos um país, assim ! Encontrando-se a si próprio, em momentos de crises, com a sua personalidade e amor próprio, que algumas vezes se esquece, o quanto este mundo lhe deve, talvez, por falta de eloquência … !
GostarLiked by 1 person