Duarte José Pacheco foi engenheiro eletrotécnico pelo IST e estadista, no antigo regime do Estado Novo. Nasceu em Loulé, em 1900, e faleceu num desastre de automóvel em 1943, na zona de Vendas Novas, no regresso de uma viagem de trabalho a Vila Viçosa, onde tinha ido acompanhar a construção da estátua de D. João IV. Nos seus 43 anos de vida desempenhou altos cargos na função pública, tendo-se distinguido pela enorme remodelação urbana e paisagística que conseguiu consolidar em Lisboa e que imaginava ser extensiva a todo o país. Era inesgotável no seu trabalho, invulgarmente inteligente mas, sobretudo, forte apologista de fazer o que tinha sido planeado. Acompanhava pessoalmente muitas das obras que o seu Ministério iniciava, conseguindo avanços e facilidades administrativas que lhe eram facultados pela época em que viveu. Embora Salazar lhe reconhecesse muitas virtudes que beneficiaram o seu regime não deixou, no entanto, de recear, por vezes, o seu protagonismo e a sua tremenda ousadia em avançar com programas com os quais não tinha a certeza de concordar. O tempo veio a explicar que o engenheiro tinha mais visão de futuro do que o Presidente do Conselho da altura. Nascido em Loulé, São Clemente, por coincidência na mesma zona em que nasceu o Almirante Mendes Cabeçadas, ministro e Presidente oposicionista do regime, acabou por com ele conviver nas suas evoluções e transições políticas.
A cidade ainda hoje lhe presta homenagem como um dos seus filhos mais brilhantes e com obra provada embora, claro, os seus detratores sempre o tenham acusado de tirar partido da época em que viveu. O obelisco, mandado construir pela C. Municipal de Loulé em honra de Duarte Pacheco, foi inaugurado a 16 de Novembro de 1953, com a presença de Oliveira Salazar, na sua 3ª e última visita ao Algarve. Com a passagem dos anos nunca este monumento foi afetado na sua integridade, levando em conta o prestígio que aquele algarvio tinha angariado. Foi oriundo de uma larga família (teve 4 irmãs e 6 irmãos), foi assistente e catedrático no IST, Ministro da Instrução Pública e, mais tarde, das Obras Públicas e Comunicações. Teve uma vida curta mas muito agitada e, estamos certos, muito mais teria feito se tivesse tido tempo, uma vez que as condições burocráticas da época lhe eram extraordinariamente favoráveis.
Mas o melhor é apreciarmos um pouco da nossa conversa imaginária e sabermos as respostas que dará às nossas perguntas. Como é hábito as nossas perguntas serão precedidas de P e as respostas, neste caso, serão DP.
P – Sem lhe querer roubar muito tempo gostaria que me falasse da sua vida de estudante e de licenciamento. Dá-se a coincidência de eu também ser engenheiro eletrotécnico, muito mais recente, claro… Pode contar-nos?
DP – Sim, com todo o gosto. Ainda bem que também é eletrotécnico e, por outro lado, agradeço a sua entrevista porque, devido à época em que vivi, nem sempre o que fiz terá sido devidamente apreciado… Acabei o Técnico em 1923 e, a partir de 1925, fiquei assistente e a seguir catedrático de Matemáticas Gerais. Fui Diretor do Técnico em 1927 e, no ano seguinte, meti-me na política e aceitei o cargo de Ministro da Instrução Pública.
P – Mas parece que essa fase não correu muito bem…
DP – Pois não. Estive com o Presidente do Conselho Vicente Freitas e depois no governo de Mendes Cabeçadas. Salazar esteve nas Finanças apenas 5 dias por não se entender nada bem com o Almirante …
P – Homens com formas diferentes de pensar, dificilmente se entenderiam…
DP – Sim, foi isso, mas foi também pela desgraça política e financeira do tempo de Sinel Cordes.
P – Mas, segundo consta, Salazar voltou por insistência sua. É verdade?
DP – É verdade. Incumbiram-me de ir a Coimbra convencer Salazar a regressar e a assumir a pasta das Finanças. Consegui convencê-lo e ele acabou por tomar posse a 28 de Abril de 1928. Mais tarde, em 1932, fui para Ministro das Obras Públicas.
P – E aí é que começa o seu ritmo desenfreado de obras. Sabemos que construiu os novos edifícios do IST e, segundo se conta, com vidros não pagos aos empreiteiros…
DP – Bom, não é bem assim… Abri um concurso para os vidros e os fornecedores estavam obrigados a apresentar amostras na obra. Verifiquei que as amostras eram suficientes para a obra toda. Mandei montar e não paguei… Eram amostras…
P – Nesse tempo faziam-se coisas bizarras… Sabe que hoje isso não seria possível…
DP – Pois não, mas fartei-me de poupar dinheiro… Mas em 1936 fui afastado do governo e regressei ao Técnico….
P – Mas parece que já tinha passado pelos CTT…
DP – Sim, isso foi em 1933 mas em 1938 convidaram-me para Presidente da Câmara Municipal de Lisboa…
P – Tempos em que os Presidentes eram convidados…
DP – Pois é, hoje têm que ser eleitos…
P – Sim, agora há partidos políticos que propõem candidatos e que vão a votos dos cidadãos…
DP – Uma perda de tempo…
P – Permita-me que sorria… Mas voltou ao Ministério das Obras Públicas…
DP – Sim, logo a seguir à Câmara…
P – E parece que foi nessa fase que desencadeou uma grande séria de obras. Pode enumerar algumas?
DP – Sim, com muito gosto… Comecei por constituir uma Comissão para construção de uma ponte sobre o Tejo, do Beato ao Montijo, obra que não tive tempo de pôr em marcha. Com ajuda de grandes arquitetos do meu tempo desencadeei a construção dos bairros sociais de Alvalade, Encarnação, Madredeus e Caselas, em Lisboa. Mandei executar a estrada marginal Lisboa-Cascais, o Estádio Nacional, a Fonte Luminosa, o Parque de Monsanto e iniciei os projetos para o novo aeroporto de Lisboa. Em 1940 fui o responsável pela Organização da Exposição do Mundo Português, em Lisboa, o que me deu grande prazer por perceber que estava a contribuir para o desenvolvimento cultural do país…
P – Caro Engenheiro, conheço todas essas obras que ainda hoje são pontos ou zonas de referência da cidade. Reconheço que, para a época em que viveu, seria difícil ter feito mais e melhor… Não deixando de lhe relembrar as facilidades administrativas a que recorreu, tanto no caso dos vidros do Técnico que nos contou mas, sobretudo, nas atribuladas expropriações de terrenos que decretou, com enormes prejuizos para os proprietários. Estou certo que, com a mesma dinâmica que no seu tempo demonstrou, teria hoje muita dificuldade em fazer tudo o que fez , no tempo e do modo que fez…
DP – Não duvido, os tempos eram outros mas sempre tive a ideia que os homens podem derrubar montanhas…
P – Talvez montanhas… mas não as regras da democracia… Não o quero maçar mais. Quero agradecer-lhe a sua disponibilidade para esta conversa e quero dizer-lhe também que ainda há hoje muita gente que admira as suas obras… Alguns não saberiam quem era o autor, mas agora ficam a saber.
DP – Muito obrigado pela entrevista e pelas suas palavras. Tudo o que fiz foi pelo país…
P – Muito obrigado.
PS: Duarte Pacheco foi agraciado, em 18 de Dezembro de 1940, com a Grã Cruz da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Santiago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico.
Gostei da entrevista ! Mas esqueceste-te de perguntar se o Duarte Pacheco também mandou fazer obras importantes no resto do País. Seria ele adepto da frase “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem “?
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