A Marinha no 5 de Outubro de 1910

O texto que hoje vou escrever é uma adaptação, que pretende ser rigorosa, baseada no Diário de Bordo do cruzador “Adamastor”, a que pude ter acesso, nos dias 4, 5 e 6 de Outubro de 1910. As referências nominais incluidas são corretas embora não exaustivas.

Pouco depois da meia noite do dia 3 chegou a bordo uma embarcação, vinda do Arsenal, com um ofício ordenando a prevenção. O oficial de serviço, 2º tenente Saldanha, fez circulares para que toda a guarnição se apresentasse a bordo. Assim aconteceu. Mas a guarnição estava inserida no golpe militar que seria desencadeado em breve. Por isso o tenente Saldanha foi preso, sem violência, tendo ficado confinado num camarote com guarda à porta. Entretanto os paióis foram arrombados e retiradas as munições para as 3 salvas combinadas, o que foi feito. Pouco depois o navio S. Rafael correspondeu às salvas. A guarnição ficou devidamente fardada, armada e municiada, pronta para desembarque se necessário. Fez-se sinal com a bandeira republicana para o S. Rafael salvar com dois tiros. Entretanto o tenente Saldanha foi transportado até Cacilhas de onde vieram alguns mantimentos para bordo do Adamastor. Por essa mesma altura chegou a bordo, a nado, vindo do navio D. Carlos, um marinheiro informando que a guarnição daquele navio também estava com o movimento mas que não podia manifestar-se por se encontrar desarmada, enquanto os oficiais estavam todos armados. Era preciso tomar conta do D. Carlos e por isso foi enviado um sargento (Estêvão Pimentel) a bordo do S. Rafael para receber instruções. Houve necessidade de o Adamastor ir até Alcântara mas, por falta de pressão nas caldeiras foi, em seu lugar, o S. Rafael sob o comando do tenente Tito Morais com o apoio de parte da guarnição do Adamastor. Houve intenção de tomar o D. Carlos mas foi preciso, com maior urgência, levar apoio ao pessoal do Corpo de Marinheiros de maneira a poder bombardear o Palácio das Necessidades. Do Paço vinha forte tiroteio pelo que foi necessário bombardear o Paço, o que foi feito. O Palácio das Necessidades foi bombardeado tendo o pavilhão real tombado ao terceiro tiro. À tarde fez-se o embarque das forças que estavam no quartel, tendo o Adamastor atracado ao navio Guiné da Empresa Nacional que estava à muralha. Com cerca de 1500 homens armados o navio seguiu, já de noite, para fundear em frente ao Terreiro do Paço. Numa embarcação da alfândega começou a ser enviado pessoal para o S. Rafael. Chegou também ao Adamastor um escaler do D. Carlos, com 12 homens, pedindo armas para fazerem frente aos oficiais daquele navio. Foram armados e rapidamente o navio foi tomado. Durante a noite foram utilizados projetores e pessoal às peças , receando algum ataque de torpedeiros vindos de Vale de Zebro. Tal não aconteceu.

Na manhã do dia 5 começou o desembarque das forças disponíveis para atacar o Rossio. As guarnições da D. Fernando e Pero de Albuquerque estavam aderentes ao movimento e uma força, comandada pelo comissário naval Costa Gomes, foi para junto das embarcações do Arsenal cujas chaves nos haviam sido entregues para tomar conta do armamento e munições. No vapor do Barreiro foi enviada uma força para Vale de Zebro para guardar todas as munições que lá existissem. Cerca das 8 horas foi avistada, no Castelo, a bandeira verde e encarnada, chegando a notícia de que a República tinha sido implantada com a rendição das forças do Rossio. Entretanto o Adamastor foi fundear em Alcântara para proteger o quartel de marinheiros. No quartel receavam ser atacados pelas baterias de Queluz o que, para além de improvável, não se veio a verificar. Nada se passou durante a noite apenas com a luz dos projetores.

Na manhã do dia 6 foram enviados 40 praças, sob o comando de um sargento, para fazer a polícia em terra e recolher armas. Passou-se o dia em total tranquilidade . À tarde o cruzador Adamastor foi fundear ao largo. Estava consumada a implantação da República. A Marinha tinha honrosamente participado na operação.

Um pensamento sobre “A Marinha no 5 de Outubro de 1910

  1. Um episódio da nossa história contemporânea, tão afastado das nossas memórias, cujos nomes desses heróis, se tentou perder no meio do fumo dos seus canhões.. Ou ainda, a história que nunca foi bem contada, onde o nervosismo da preparação e o desenrolar das operações foi tão emotivo.

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