CARTAS PORTUGUESAS

É interessante revermos a já longa história desta obra do século XVII. O romance foi publicado em França, em 1669, como um romance epistolar, com o nome de Les Lettres Portugaises, pelo editor Claude Barbin. O livro é composto por cinco cartas de amor atribuidas a uma freira portuguesa, Soror Mariana Alcoforado (1640-1723), considerada a última abadessa do Convento da Conceição de Beja. Quando morreu aos 83 anos já era a Madre Superiora do Convento. Foram cartas de um amor desesperado, solitário, quase enlouquecido de uma freira por um oficial francês, Noel Bouton de Chamilly, que, após a sua estadia em Portugal, regressou a Paris sem nunca mais lhe escrever nem a contactar. O amor não correspondido, ilustrado nas cartas em apreço, ficaram célebres após a sua publicação em França numa época de estilo barroco em que esses temas eram lidos e apreciados. Não há a certeza absoluta se o texto das cartas é, realmente, da autoria singular de Mariana Alcoforado ou se terão sido adaptadas ou modificadas por um diplomata e jornalista francês, Gabriel de Guilleragues, secretário do conde Conti. Isso pouco importará porque o romance perdurou e ganhou fama. O original foi traduzido para português por Luciano Cordeiro e muito louvado por escritores dessa época, como Oliveira Martins, Lopo Vaz, Hintze Ribeiro e outros.

Possuo, por herança de família, um exemplar de uma edição portuguesa de 1921, da tradução de Luciano Cordeiro, com o título de “Cartas de Amor” – Soror Mariana ao Cavalheiro de Chamilly que respeita, segundo parece, a versão original francesa e, portanto, os textos de Soror Mariana. Numa dessas cartas escreve que o seu desespero “já a levou a passear na varanda de onde se vêem as portas de Mértola”. Vale a pena recuperar a sua leitura.

Devido à força romântica que ganhou ao longo dos anos tem havido muitas adaptações teatrais, com grande destaque no Brasil. O compositor João Guilherme Ripper adaptou o romance em forma de ópera, para orquestra e soprano. Foi estreada a 28 de Agosto de 2020 em São Paulo, cantada pela soprano Camila Titinger e acompanhada pela Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo. Em comparticipação com a Fundação Gulbenkian o compositor veio realizar o mesmo em Portugal, dando origem à versão do passado dia 6 de Novembro, em plena época de pandemia, cantada pela soprano portuguesa Carla Caramujo, acompanhada pela Orquestra Gulbenkian. Tivemos a oportunidade de ver a retransmissão desse belo espetáculo ontem, dia 8 de Novembro na RTP2. As críticas têm sido muito elogiosas e quem pôde assistir terá tido oportunidade de apreciar uma excelente adaptação de um original português, cantado em português por uma excelente soprano portuguesa.

Por feliz coincidência a nossa conversa/entrevista deste mês de Novembro no nosso blogue é, justamente, com Carla Caramujo. Razões reforçadas para que a ouçam nessa conversa a ser publicada dentro de dias.

NOTA – O título “Cartas Portuguesas” foi revisitado, em 1972, por 3 escritoras portuguesas, com o título “Novas Cartas Portuguesas”. Essa obra, da autoria de Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno (à data apelidadas das 3 Marias) tinha, naturalmente, um âmbito totalmente diferente, defendendo os direitos da Mulher e criticando o regime salazarista da época. Foram sujeitas a sanções de diversas espécies que só foram interrompidas depois de 1974.

Mas tiveram o mérito de relembrar uma obra icónica do barroco português e despertar os estudiosos a reverem o romance de Soror Mariana. E “last but not least” , como dizem os ingleses, a realçar o nosso conhecimento e apreço por Carla Caramujo pelo seu desmpenho numa obra tão difícil.

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