Numa tarde de confinamento obrigatório, de uma forma geral, lê-se, ouve-se e vê-se. Às vezes também se fala… Reler coisas que já lemos há muito tempo ensinam-nos, por vezes, que o mundo leva tempo a mudar os seus costumes e os seus hábitos e, principalmente, as pessoas. Foi o que me aconteceu ao reler Marguerite Yourcenar.
1ª CITAÇÃO (Palavras escritas por Yourcenar e postas na boca de Adriano, Imperador Romano de 117 a 138)
Devo confessar que acredito pouco nas leis. Demasiado duras, são transgredidas com razão. Demasiado complicadas, o engenho humano encontra facilmente maneira de se escapar por entre as malhas dessa nassa monótona e frágil. O respeito pelas leis antigas corresponde ao que tem de mais profundo a piedade humana; serve também à inércia dos juizes. A maior parte das nossa leis penais só atinge, talvez felizmente, uma pequena parte dos culpados; as nossas leis civis nunca serão bastante maleáveis para se adaptar à imensa e fluida variedade dos factos. Mudam menos rapidamente que os costumes….. Os filósofos gregos ensinaram-nos a conhecer um pouco melhor a natureza humana. Há já algumas gerações que os nossos juristas trabalham na direção do senso comum.
2ª CITAÇÃO (Comentário de Yourcenar no seu livro “Memórias de Adriano”)
Num sentido, toda a vida contada é exemplar; escreve-se para atacar ou defender um sistema do mundo, para definir um método que nos é próprio. Não é menos verdade que é pela idealização ou pela crítica mordaz a todo o custo, pelo pormenor pesadamente exagerado ou prudentemente omitido que se desqualificam quase todos os biógrafos: o homem construido substitui o homem compreendido. Nunca perder de vista o gráfico de uma vida humana que se não compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que um homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi.
Virão a propósito estas citações lidas durante um recolhimento forçado? Talvez… Mas se não valerem nada também não é grave. Fica recuperada a memória de Marguerite Yourcenar (1903 a 1987).
Sempre fui um apaixonado por gráficos, que num dos pontos mais altos da vida, me ajudaram a desempenhar trabalhos de muita responsabilidade Dificilmente me passaria pela cabeça, um gráfico revelando a vida de um homem, anotando os conflitos da sua existência ! Revejo-me agora, resumido a três linhas algo sinuosas, com alguns pontos de colisão..! Um belíssimo assunto !
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As palavras de Adriano são as palavras de Margarida Yourcenar e falam do nosso tempo…
Por citações, vou também buscar uma, esta do Velho Eça
– A propósito do muito que se fala do Chega ( chega para lá!)
Nos Maias, o poeta romântico Tomás de Alencar detestava a nova corrente da literatura, o realismo, e dizia “Ali todos eram homens de asseio, de sala, hein? Então que não se mencionasse o EXCREMENTO”
Era o que os media deviam fazer em relação ao Chega.
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