No mundo tão perturbado em que vivemos parece ninguém ter tempo para pensar em muita coisa para além da tremenda pandemia que assolou o mundo. Países e continentes, apesar de tudo, produzem e enlaçam-se em programas virtuosos, visões estratégicas para o futuro, perspetivas hipotéticas para uma vida global mais solidária, menos conflituosa, mais ecológica, menos carbónica, mais equitativa, com ricos menos ricos e pobres menos pobres. Os grandes pensadores ou consultores são chamados a falar-nos e a explicar o que deve ser feito, quais as grandes linhas de intervenção e os rumos que devemos seguir. Eles são como bússolas em mares tempestuosos, com ventos cruzados e vagas de dimensões nunca vistas. Nós também tivemos o nosso especialista, por sinal, considerado, por todos, como invulgarmente sábio e competente. Ainda bem. Por aquilo que sei dele, também acho. Mas também achamos, quase sem excepção, que muitas dessas excelentes ideias vão ficar pelas gavetas, as nossas e as dos outros. A velha máxima de “passar da reflexão à acção” é sempre tremendamente difícil de consumar. Muitos são os que falam, poucos são os que fazem. São as instituições, são os governos, são os homens e as mulheres que conduzem o mundo que nem sempre pensam da mesma maneira. Ou, se pensam, passam a fazer de outras maneiras que lhes são mais convenientes, para eles e para os seus apaniguados. E o mundo é fértil nesses exemplos: desde os que se consideram insubstituíveis até à eternidade, até aos que, desconhecendo o maravilhoso fenómeno da alternância, levam as suas iliteracias ao mais alto grau do insuportável e indecoroso.
Hoje limito-me a falar de um exemplar desta última espécie que, qual doloroso panarício ou rebelde antraz , não aceita o tratamento médico mais comesinho para que o retirem da circulação e das preocupações mundiais. Falo, claro, do “rapaz Trump” de quem, desde o início do seu mandato, já se falava da sua abjeta incompetência que fica provada até à sua próxima saída da Casa onde vive (a Branca), esperemos que pela porta dos fundos e sem idas aos “tércios”. Mas os acólitos não o esquecerão e ele ou algum familiar acabará por se candidatar em 2024. Sim, porque o povo americano é muito desigual e grande parte dele carece de escola… Tenhamos esperança que, antes disso, as tais estratégias que o mundo anda a conceber possam resultar em qualquer coisa de diferente, que se oponha ao avanço despudorado das “sem vergonhas” digitais que fizeram escola por toda a parte.
O mundo em geral e a nossa Europa, em especial, porque é nela que vivemos, anseiam por encontrar caminhos e, sobretudo, interlocutores valiosos com que se possam associar com confiança, dentro das normalidades a que se habituaram. Supõe-se que a futura normalidade não seja a mesma a que nos habituámos no passado e isso talvez não seja mau. Poderá ser mesmo muito melhor.
A saída de Trump e a entrada de Biden trazem ao mundo um cenário de esperança pelo facto de se poderem restabelecer pontes e diálogos que o “antraz” tinha interrompido. Biden não será um ícone indiscutível, um indisputável Lancelot, um James Dean da nossa era, mas aparenta ter o saber, a experiência, a elegância, a pose de Estado que um dirigente da sua estatura deve aparentar. Provavelmente não conseguirá um acolhimento unânime mas poderá desatar os nós cegos que o seu antecessor foi espalhando pelo mundo e dar aos Estados Unidos o importante papel que sempre se preocupou em desempenhar. Reconheçamos, nem sempre bem. Mas a nossa cultura europeia precisa dessa solidariedade, desse companheirismo, mesmo que o omnipresente fantasma do negócio esteja sempre presente e inquine muitas das posições conjuntas que têm sido assumidas.
Num interessante artigo do Le Figaro, Anne Rovan dizia que “os europeus estavam de mão estendida à espera da América de Biden” e o Secretário Geral da NATO proclamava que “Joe Biden é um ferveroso adepto da NATO”.
Mas para além destas declarações de princípio há um conjunto de situações para as quais se esperam comportamentos renovadores de Joe Biden. Podemos chamar-lhe a “A Ementa de Biden”. Sabe-se que o Presidente dos Estados Unidos não dará a primeira prioridade á Europa mas sim ao ataque da pandemia no seu país. A Europa precisa de uma aliança estratégica, embora pacífica, com os Estados Unidos no que diz respeito ao percurso silencioso mas firme da China em direção ao ocidente.
Um outro desafio incluido na ementa é o das relações transatlânticas. Nesta matéria há antecedentes. Quando Henry Kissinguer era Secretário de Estado de Nixon atribui-se-lhe a famosa pergunta: “Se eu quiser falar com a Europa para quem ligo?” Londres sempre quis assumir esse protagonismo. As linhas Reagan-Thatcher, Clinton-Blair e, mais recentemente, Trump-Boris eram diretas. Seguindo essa tradição Biden, após a eleição, depois de falar com a Presidente da Comissão Europeia, telefonou a Boris mas arrepiou, imediatamente, caminho ligando ao chefe do governo irlandês, Micheal Martin, insistindo nos seus laços emocionais e ancestrais com a Irlanda. E é assim que Dublin quer destronar Londres nas futuras relações transatlânticas. Outra alínea da “ementa” são as relações especiais com Israel. Trump sempre foi cúmplice de Nétanyhou, acompanhando-o nos desmandos praticados nas zonas que pretendia ter como ocupadas. Biden quer regressar ao Acordo de Viena de 2015 o que contraria as intenções do ditador. Mas como ficarão as relações com o Irão? Não há dúvida, o Médio Oriente será uma dor de cabeça permanente para o novo eleito. E Moscovo ? Parece esperar melhores relações… depois de todas as interferências que Putin tão bem soube utilizar. Mas, de acordo com as declarações do Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Senado Russo: “Será mais fácil para nós trabalhar com diplomatas profissionais”… O que não deixa de ser uma enorme bofetada de luva branca para os intrometidos familiares de Trump. A China será sempre a China. O Presidente Xi não deixou de enviar uma mensagem de felicitações a Biden após a confirmação da sua eleição, embora se suspeite que Biden possa ser mais duro que Trump na questão dos direitos humanos em Hongkong ou em Xinjiang.
Quem desejaria ter uma “ementa” destas para se entreter nos próximos anos? Mas, no entanto, a Europa e o mundo anseiam pelo 20 de Janeiro para começarem a sentir as primeiras reações do novo Presidente. As viagens aéreas nacionais e internacionais serão tantas que talvez isso ajude as companhias de aviação a aumentarem as suas atividades e a sairem do miserável confinamento a que foram sujeitas. Até porque a vacina parece estar a chegar…
Muito bom artigo.
Agora que Biden foi empossado, mantêm-se vivas as esperanças de que os EUA voltem a ser, como lhes chamava Churchil lhes chamava ” The Great Democracy”
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Numa época, em que quase todos nós apresentamos problemas de espaço para um passeio despreocupado, gozando as delícias de um Sol que nos encha de vitaminas D, e facilitando a digestão de tamanhas iguarias políticas, quer-me parecer que a nova gerência americana nos vai trazer um Menú bem mais apetitoso. Se não mesmo, pela aparência da boa apresentação dos pratos dignos de um prémio Michelin…! Apenas, a falta de apetite e as revoltas estomacais que os arrotos trumpistas ainda vão causar, minando a boa disposição de um mundo ávido de “a breath of Fresh Air…!
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