A crise pandémica que atravessamos há cerca de um ano, aqui e em todo o mundo, tem-nos imposto excepcionais restrições e grandes doses de sofrimento. O pânico grassa nas sociedades, o temor é evidente, a descrição e o isolamento passaram a ser formas de vida. As ideias filosóficas de todo o género, mais populares ou elaboradas, surgem quotidianamente nos meios da comunicação. Até as Igrejas propagam verdades, apelam às virtudes e esconjuram infiéis. Não há dúvida que esta nova forma de viver modificou muitos dos nossos hábitos. Reduziu drasticamente o supérfluo chamando a atenção da humanidade para o facto de não comandar nem ser dona do mundo. Crises como esta obrigam-nos a pensar, a meditar sobre o presente e o futuro, tendo a sabedoria de ir buscar os exemplos do passado.
Relembro aqui a crise que Lisboa viveu com o terramoto de 1755 e transcrevo, com vénia, o que a historiadora Mariana Françozo, da Universidade de Leiden, escreveu sobre essa crise: “Na manhã de 1 de Novembro de 1755, sábado, Lisboa preparava-se para as comemorações do dia de Todos os Santos. Os habitantes não sabiam que, por volta das 10 horas, um terrível terramoto abalaria a capital portuguesa, deixando um traço de destruição que, de tão profundo, passou a dividir a história da cidade em duas partes: antes e depois do sismo. Foram três abalos sucessivos que se prolongaram até ao meio dia. Somou-se-lhes um incêndio que logo queimou muito do que o tremor de terra havia poupado. Não bastasse tal terror , a cidade ainda viu a água do Tejo subir devido a um tsunami que tirou a vida àqueles que, tendo fugido em direção ao porto e ao rio, ainda por ela lutavam. O fogo durou seis dias , especialmente no centro de Lisboa. Estima-se que tenham morrido cerca de 30.000 pessoas. Periódicos de toda a Europa noticiaram a catástrofe nos meses subsequentes…… Muitas obras descreveram em tons dramáticos o acontecido, conjeturando sobre as suas causas e implicações morais. Algumas chegavam a invocar a ira de Deus como explicação para o acontecimento. O terramoto exerceu ainda um forte impacte no pensamento filosófico. Numa época em que os filósofos iluministas ponderavam sobre o progresso e a modernidade do mundo, o sismo serviu de ensejo para diversos pensadores refletirem sobre os limites da conceção do progresso linear que o iluminismo preconizava. Voltaire faz uma dura crítica às ideias correntes sobre as causas da corrupção física e moral no mundo, retirando, assim, a discussão do terramoto da esfera da religião – como haviam feito as publicações mais populares – e sugerindo, ao invés, uma discussão sobre a natureza do bem e do mal na Terra. Em resposta, Jean-Jacques Rousseau propôs a necessidade de se indagar sobre a culpabilidade humana, sendo necessário entender o tremor de terra no contexto social e cultural em que ele ocorrera”.
Acabada esta transcrição ficamos a pensar nas analogias históricas de duas crises tão diversas mas, de qualquer forma, tão marcantes para as épocas em que tiveram lugar. A realidade e o comportamento humanos são, mais uma vez, postos à prova. Os discursos dos filósofos da época quase se aplicam aos dias de hoje. Os pareceres populistas não podem fazer escola, apeguemo-nos à ciência e aos melhores pensadores humanistas para melhor entendernos a crise que estamos a viver. Resistir é a palavra de ordem, mudando comportamentos, aceitando novas fórmulas de vida e acreditar que o futuro vem aí. E isso faz-se, como já aqui disse tantas vezes, com força e esperança. Muita esperança.
O aparecimento deste tipo de crises serve para o Homem voltar a pensar com humildade que por mais que os seu conhecimentos aumentem, nunca serão capazes de prever tudo o que possa acontecer na Terra
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