O ÚLTIMO LIVRO DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES

Pelo Natal, ofereceram-me o “Dicionário da Linguagem das Flores” o ´ultimo livro  de ALA.

O primeiro comentário vai para a falta de índice dos capítulos, o que aliás é prática corrente nas edições dos romances do ALA: um leitor que queira voltar a ler um capítulo tem que dar-se ao trabalho de folhear o livro duma ponta à outra. É incómodo,  mas isso não deve preocupar o autor talvez por pensar que ninguém teria interesse fazer tal, reler um capítulo, ou talvez por considerar que pôr índice é uma prática obsoleta.

O tema do livro baseia-se em factos reais, concretamente na vida do dirigente comunista Júlio Fogaça (1907-1980) e é tratado sob a forma de monólogos  de pessoas que com ele privaram ou que simplesmente tiveram contactos episódicos (familiares e relacionados, camaradas, polícias).

Mais do que falarem sobre a personagem do tema, falam principalmente de si próprios, das suas angústias, das suas frustrações, das suas relações familiares, das suas relações amorosas, quase sempre malogradas, das suas relações com o Partido. Não há um único personagem feliz em todo o enredo (talvez seja por isso que constam do romance, pois em geral dos felizes não a história), e, com excepção dos parentes do Júlio, são todos pobres ou remediados.

Os personagens que pertencem à Pide são retratados não como imorais, mas como amorais, não tendo consciência dos atropelos aos direitos humanos que praticam ou ajudam a praticar. E entre os camaradas do partido, para além da obediência que por vezes os leva a não serem  muito diferentes dos pides, também o   humanismo não abunda – reflexo certamente de como o autor encara  o que foi o movimento comunista na clandestinidade.

Não é de facto a história dum personagem, mas sobretudo retratos de seguidores e perseguidores do partido comunista, situados nos níveis mais baixos das respectivas hierarquias, antes da revolução de 25 de Abril de 1974.

Claro que a homossexualidade do Júlio não deixa de ser referida em vários capítulos, com dúvidas sobre a sua efectividade, com indiferença, com tristeza  ou com raiva, neste caso pelo pai. A prisão no Tarrafal e a sua resistência aos pides que quereriam obriga-lo a delatar também são referidos.

O estilo literário do ALA é semelhante aos dos seus outros romances: associações de ideias espantosas, comparações entre coisas ou ideias que imaginaríamos incomparáveis, descrições poéticas de plantas e aves, imagens do tempo das caravelas, narrativas entrecortadas por pensamentos de acontecimentos passados (como nos acontece quando estamos a contar ou a falar de qualquer coisa e a nossa mente é atravessada por pensamentos estranhos que nos surgem sem percebermos como).

Não se fica a saber como acaba o personagem, embora seja conhecido que  o seu inspirador, o Júlio Fogaça, depois de expulso do PC abandonou a política, voltou para as suas terras na freguesia de Alguber, concelho do Cadaval. E, segundo me disse um conhecido meu que também tinha uma fazenda em Alguber, não foi bom patrão, não se revelou amigo dos seus trabalhadores. Convém acrescentar que esse meu conhecido não tinha a mínima simpatia, antes pelo contrário, por ideias de esquerda. Mas se as suas observações são verdadeiras, podemos imaginar que o Júlio Fogaça quis confirmar com a sua acção as teses comunistas que defendem a erradicação do patronato da face da Terra.

Lisboa, 16 de Abril de 2021

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