Perdoar-me-ão os meus leitores mas o texto de hoje é mais um roteiro sentimental do que crítica, análise ou aprofundamento de um tema. Vou falar da Rainha do Reino Unido (The Queen), Isabel II, para mim a única Rainha de que me lembro quando se fala de realezas. Há mais algumas, claro, com méritos, mas nenhuma com a carga emocional que esta me desperta.
Não sou monárquico (como se saberá) e suspeito que a História se encarregará, de diferentes maneiras, de gerar subtis alternativas nos países onde o sistema perdura. Por múltiplas e diferentes razões. Mas quanto à Rainha de Inglaterra ressalvo uma grande simpatia e indesmentível respeito. A minha idade permite-me relembrar alguns momentos em que algumas dúvidas me assaltaram quanto aos seus comportamentos. Mas esses momentos sempre passaram e acabei por regressar ao espírito de simpatia que nutro por ela.
Uma Rainha que, em criança, nunca o esperou ser. Era sobrinha do Rei Eduardo VIII que, por amor, abdicou, entregando o difícil encargo ao seu irmão George. O Rei George VI a quem, por sua morte, lhe sucedeu a filha mais velha, Isabel, nascida em 21 de Abril de 1926. Pertencente à Casa de Windsor, iniciou o seu reinado a 6 de Fevereiro de 1952, como Isabel II. Casou em 1947 com Filipe, Príncipe da Grécia e da Dinamarca. Um Príncipe cuja família tinha antecedentes políticos antagónicos com o Reino Unido. Mas a personalidade de Filipe conseguiu ultrapassar essas marginalidades e, com a simpatia que se lhe reconhecia, soube sempre acompanhar a “Sua Rainha” nas cerimónias e obrigações que lhes eram impostas. O seu feitio divertido levou-o, de quando em quando, a “pisar o risco” das conveniências mas também, e sobretudo, a descongelar situações embaraçosas que não raramente lhes surgiam. Uma coisa é certa: Isabel casou com ele por amor e manteve essa paixão enquanto Rainha, durante toda a vida. A sua postura real sempre disfarçou muito bem esses seus sentimentos mais “terrenos”, mas eles existiam. Como bem o provam os 4 filhos do casamento: Charles, Anna, André e Eduardo.
A Rainha Isabel visitou Portugal por duas vezes, a primeira em 1957 e a segunda em 1985. A minha simpatia por ela deve ter como origem a sua visita de 1957. Nessa altura, os cadetes da Escola Naval, onde eu me encontrava, fizeram a guarda de honra quando a Rainha e o Príncipe desembarcaram no Cais das Colunas, no Terreiro do Paço. A posição regimental de continência obrigava-nos, naturalmente, a uma rígida posição na formatura mas aos olhos era-lhes permitido, na amplitude possível da retina, acompanhar o seu percurso ao lado do Presidente Craveiro Lopes e ver-lhe a cara. Foi essa cara que eu nunca esqueci: muito fresca e bonita, com uns olhos espantosos. Nunca mais a voltei a ver mas sempre que vejo fotografias dela, mesmo as de agora, lembro-me sempre da cara que vi em 1957.
A sua vida foi atribulada. Em termos oficiais é Rainha de 15 Estados independentes, Chefe da Commonwealth que engloba 53 Estados e Governadora Suprema da Igreja de Inglaterra. Mas a sua vida familiar não foi também muito fácil. O caso de Diana, mulher de Charles e mãe dos seus dois netos mais velhos, trouxe-lhe terríveis incómodos. A “Princesa do Povo”, como lhe chamou o Primeiro Ministro Tony Blair, designação pela qual ficou conhecida, ganhou um enorme apreço entre os britânicos, envolvidos na sua figura jovem, na “frescura” que parecia introduzir na Corte, pelas causas humanas e de solidariedade em que se envolveu. Diana morreu num acidente de viação em Paris, em 1997 e o seu funeral foi acompanhado por cerca de um milhão de pessoas em Londres. Foi o evento (com exclusão dos desportivos) mais assitido no mundo inteiro, estimando-se uma audiência global de cerca de 2,5 biliões de pessoas. Para a Rainha, que nunca teria manifestado publicamente um grande apreço pelo casamento de Diana com Charles, foi uma época de enorme dificuldade. A preservação do seu ministério real levou-a a manter sempre uma posição discreta, alheando-a, um pouco, das muitas críticas perversas que inundaram o país. As atribulações com as vidas privadas do seu filho André e da filha Anna também não lhe deram descanso embora não a tenham desgastado. Nessas alturas o Príncipe Filipe sempre se disponibilizou para cerimónias oficiais resguardando-a de muito difíceis aparições.
Charles voltou a casar com Camila Parker Bowles, uma antiga paixão, segundo se diz, que se divorciou para casar com Charles e, se tudo correr sem incidentes, poder vir a ser Rainha. Diz-se que Isabel não morre de amores por ela mas os deveres da Coroa obrigam-na. Por coincidência, quando estive em funções no Comité Olímpico de Portugal, teve lugar uma visita a Portugal do Príncipe Charles e de Camila, Duquesa da Cornualha. Tocou-me a missão de a receber no Hipódromo do Campo Grande (é grande a sua paixão pela arte equestre) e de, naturalmente, conversar e falarmos das epopeias olímpicas dos nossos dois países. Conversa agradável, com algumas fotos (de que reservo uma) mas, estou certo que haveria muito mais fotos se se tratasse de Lady Dy…
Tudo isto serve para enquadrar o que tem sido a missão da jovem que com 26 anos se tornou Rainha de Inglaterra. No cerimonial dos seus 90 anos, ainda com o Príncipe Filipe, disse que aos 95 abdicaria para poder descansar. Mas a morte do seu marido, com 99 anos, nas vésperas do seu 95º aniversário fê-la escrever sucintamente que “estava a viver o maior vazio interior de toda a sua vida”.
É uma declaração apaixonada de quem viveu um casamento de 74 anos. Durante a cerimónia restrita do funeral deixou um cartão escrito por si à mão, cujo conteúdo se desconhece.
Sem dúvida que é uma mulher de força e de respeito integral pela missão que lhe coube desempenhar. E após esta inevitável viuvez (Filipe estava muito doente e já com 99 anos) declarou que não abdicaria aos 95 anos (completou-os a 21 de Abril) reservando o resto da vida para o que for entendido no seu desempenho de Governadora Suprema da Igreja de Inglaterra.

Mesmo com o seu traje de luto e a máscara preta da pandemia recordo a sua cara de 1957. Ocupa o 4º lugar nos reinados mais longos da História (já dialogou com muitos presidentes dos Estados Unidos e deu posse a muitos Primeiros Ministros britânicos). Não sou monárquico mas admiro aquela que, para mim, será a última grande monarca dos meus tempos de vida.
Lembro-me da da visita de Isabel II a Portugal, em 1957. Despertou grande entusiasmo popular, estando as ruas de Lisboa apinhadas de gente para ver passar o cortejo a partir do desembarque no Cais das Colunas
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