Estamos , como tradicionalmente se costuma dizer, de regresso de férias. As férias são, por tradição, um período de tempo em que as mentes se desligam, se pavoneiam pelos locais mais inesperados, tentam esquecer aquilo por que têm passado nas suas vidas e, principalmente, aquilo que os espera. Mais ou menos, sempre foram assim as férias. A juventude tem por esses períodos, geralmente, as mais gratas recordações. Lembro-me das minhas últimas férias verdadeiramenre grandes: começaram no dia 14 de Junho (era assim no meu tempo… há muito tempo…) e prolongaram-se até ao dia 7 de Outubro, dia de recomeço das aulas. Isto na passagem do 6º para o 7º ano do liceu. Nada disso existe já. A partir daí tudo foi repartido, truncado, facultado, muitas vezes por favor ou com arranjos especiais entre colegas de trabalho.
As férias passaram a ser, muito mais, as férias dos outros, dos nossos, dos que nos são próximos, do que propriamente nossas. É assim a vida. Sempre houve quem escrevesse memórias dos tempos de férias, umas apaixonadas, outras aventurosas e acidentadas e outras, infelizmente, com recordações da amarguras que só o tempo se encarrega de diluir. E há os “profissionais das férias” que marcam nos calendários, logo nos princípios dos anos, todas as “pontes”, feriados e trocas que se possam ligar aos períodos formais de férias que a lei estabelece para repouso mental dos cidadãos.
Nada ou pouco disto se passou este ano. O período a que se chamou de férias foi um prolongamento dos receios e confinamentos a que esta malvada pandemia nos habituou. Por toda a parte as pessoas cruzavam-se, disfarçadas com as inefáveis e obrigatórias máscaras, muitas das vezes nem se reconhecendo. Os receios, os medos, as perturbações do isolamento saltaram para as ruas, para as praias, para as alamedas. Os noticiários diários de televisões e rádios agravavam ainda mais, de forma cirúrgica e desgovernada, o pavor dos dias que passavam. Antigos filmes de antecipação científica que previam e conjuravam todos os males do mundo tinham chegado. Foi no meio desses enredos que se viveu neste período.
Com agravantes. Deixámos de ver amigos, ficávamos contentes se, por acaso, sabíamos que estavam recolhidos, confinados, isolados, solitários, mas vivos. Mas, na verdade, perdemo-los um pouco. Outros perdemo-los por completo. A pandemia ou os males de que já sofriam levaram-nos sem nos darem a oportunidade de um último adeus. Na época da minha vida, que já não é tão curta quanto isso, nunca tinha assistido nem vivido um purgatório desta natureza. Os aviões não voavam, as lojas não abriam, as pessoas não circulavam, só as ervas e as árvores cresciam. A essas o vírus não chegou. Filmes como “O Exorcista”, “Psico”, ou “Sementes do Diabo” foram histórias que bem se identificaram com as agruras por que muitos passaram agora.
Felizmente vieram as vacinas e a coisa começou a melhorar. Apesar de quem, por dementes teorias, as quisessem negar e a recusá-las. E continuam, não pelas vacinas mas pelos distúrbios sociais que elas provocam. Mas o bom senso e o músculo que a democracia tem que exibir quando necessário acabarão por resolver o problema.
Mas os amigos, as amizades que tanto cultivámos nas nossas vidas, passaram a escapar-nos. As tecnologias permitem-nos usar as imagens para os vermos, mas não é a mesma coisa. As bolhas familiares vão-se recompondo e reconvivendo mas as vidas de todos nós foram mutiladas de uma boa parte da sua alegria, da sua liberdade, da sua irreverência ou irresponsabilidade momentânea. Acabamos mais cedo. Apesar das músicas, dos filmes, dos livros, dos passatempos a que nos dedicámos, não convivemos com os amigos, não abraçámos quem queríamos, em resumo, dispensámos uma parte importante da vida. Acabámos mais cedo.
Resta o mais importante de tudo. Resta aquilo de que o mundo é feito, do que todos nós somos feitos: de esperança e de vontade de lutar por ela. Quantos de nós já conseguiram sobreviver a situações quase desesperadas? Talvez muitos. E essa regra é inelutável. Como disse alguém importante na nossa terra: “Só é vencido quem deixa de lutar”. Resta-nos amar o que nos rodeia, o que nos resta, os que nos amam.
Como tão bem cantou Jacques Brel:
Quand on n’a que l’amour
À s’offrir en partage
Au jour du Grand Voyage
Qu’est notre grand amour
Quand on n’a que l’amour
Pour unique raison
Pour unique chanson
Et unique secours
Aproveitem e revivam.