Todos nos lembramos, nos tempos de escola, do lápis de côr “fanado” do estojo do parceiro do lado que, claro, fazia logo queixa ao professor. A coisa resolvia-se depressa com uma leve reguada, um apontamento a vermelho no caderno diário ou, em casos extremos, uma expulsão da sala de aula o que, diga-se de passagem, era sempre a punição mais apreciada. Cá fora, o “maricas” que fez a queixa ao professor apanhava uns carolos e não jogava à bola durante dois dias. Era a “justiça” a funcionar. Claro que o “gajo” (perdoem-me a vulgaridade do termo) que sacou o lápis de côr voltava a sacar outras coisas e nem sempre era apanhado. Era a justiça a não funcionar… E o problema é que esse viciado (“adicted”, como agora soa bem dizer-se) ou perdia a mania (porque os pais poderiam estar atentos) ou ia galopando na vida com artes de mestre sempre bem disfarçadas. E como quem rouba um lápis rouba o estojo completo, ou como “quem faz um cesto faz um cento”, as coisas, com o tempo, vão ganhando forma e dimensão.
Normalmente é gente esperta que domina bem os truques e vai progredindo muito bem na vida. Há diversas possibilidades: se se trata de um pobretanas de meia-tijela e é apanhado numa pequena falcatrua , está feito, são uns meses de choça com piadas e uns aconchegos dos guardas. Se não é apanhado e os estojos dos lápis são substituidos por outros estojos mais coloridos, com metais mais ou menos preciosos lá dentro, ele consegue constituir uma equipa que trabalha para ele (desaparecem uma quantidade enorme de estojos) sem que a sua figura seja apanhada. Alguns chegam a dominar gangues importantes que, mais cedo ou mais tarde, são descobertos e presos deixando a atividade entregue a outros espertos que sofrem dos mesmo vícios. É um clássico.
Outro caso prende-se com a rapaziada de boas famílias. A adição (ou o vício) é a mesma, mas a coisa já se passa em ambientes de faculdades, de empresas multinacionais, de bancos, de bolsas de valores e, muitas vezes, imagine-se, também nas funções públicas. É gente de outro porte, de fato feito por medida no estrangeiro, “after-shaves” e perfumes das melhores marcas, sapatos ingleses, umas casitas espalhadas por diversos países para poderem descansar no meio da brutal atividade intelectual de inventar e descobrir novos meios de desenrascanço. É gente culta, com melhores ou piores castas familiares mas descobrindo sempre as ligações afetivas mais adequadas para se darem todos bem uns com os outros. Isto também é um clássico e perdura há eternidades.
Ultimamente as coisas têm-se complicado um bocado porque esta moda dos computadores é uma carga de trabalhos. Uns rapazes que percebem da poda mas que, coitados, nunca conseguiram os respaldos sociais para serem milionários, entretêm-se a lixar os outros (chamam-lhes “hackers”) descobrindo-lhes a roupa suja. E quem diz roupa, diz fortunas escondidas, aldrabices labirínticas que só esta gente sem mais nada que fazer é que consegue descobrir. Enfim, o mundo moderno esfalfa-se em criar soluções criativas (uns tais paraísos fiscais) para a “gente fina” poder pôr lá os seus “lápis de côr” e não ter que pagar ao Estado o dinheirinho que lhes custou tanto a juntar (não a ganhar) e vem esta gente mal formada e invejosa a descobrir-lhes as carecas (já poucos têm cabelo farto) e a entrar-lhes pela porta dentro, logo de manhã, quando ainda se está no primeiro sono.
Claro que estes processos são lentos, duram anos, porque aquilo que os “habilidosos” dos computadores lhes vão dizendo (por troca de menos uns anitos de choça) tem que ser validado pelas autoridades, com investigações cuidadosas, com cruzamentos internacionais, com vigilâncias telefónicas, com passagens de Via Verde, com marcações de vôos para aviões particulares, enfim, um inferno para investigadores, acusadores e juízes. Depois aparecem os advogados, ajoujados de leis, de portarias e decretos, com um ar espantadíssimo porque tudo de que são acusados os seus constituintes não passa de um delírio legal e de maquinações contra gente da maior seriedade. E antes que haja qualquer pronunciamento de um qualquer juiz vão logo avisando que irão recorrer de qualquer decisão. É o chamado “aviso à navegação” dizendo que tudo se vai arrastar por anos, decénios, durante os quais eles, advogados, serão generosamente remunerados com dinheiros que ninguém percebe de onde vêm, atendendo à escassez visível de vida dos arguidos (gosto deste termo).
Claro que esta gente fina, depois de tanta investigação e de tantos anos passados a remoer nos delitos, acabam por ser descobertos, chamados às responsabilidades e, pelo sim pelo não, presos para que não tenham a ideia de se “pirarem”. Quando isso acontece é uma chatice a triplicar para a Justiça porque tem que andar a explorar, com ajudas externas, os buracos onde essa gente se acolhe. Alguns, os mais sábios, vão para sítios de onde não sairão nem com ordem papal. Outros enganam-se nas contas e acabam por ser devolvidos à procedência. Os que são apanhados e por cá ficam acabarão por ser julgados, se Deus lhes der vida e saúde. Mas para esperarem por essas datas longínquas terão que pagar à cabeça a chamada caução que tanto pode ir de uns míseros Euros até uns milhões dos mesmos. Aí é melhor dizer que não os tem para pagar e, portanto, ficará instalado numa mansão à sua escolha, da qual só poderá sair com uma coleira no pé e um guarda atrás para regressar uma hora depois. O chamado passeio salutar. A mansão já não lhe pertence porque já foi arrestada mas isso não lhes faz diferença. É a maneira mais fácil de não pagar o condomínio nem as despesas de jardinagem. Claro que ninguém percebe como é que se alimentam, se vestem bem, como continuam a beber do melhor, se até as pensões lhes são arrestadas. Há-de haver algum amigo (daqueles antigos que tanto foram ajudados) que lhes há-de arranjar qualquer coisinha, para a vida e para os advogados (embora estes digam que trabalham probono).
Claro que este texto é feito à luz do humor brejeiro, não se querendo qualificar nem desqualificar qualquer entidade mencionada mas apenas expressa a perplexidade do cidadão comum que nada sabe de leis e que é invadido, diariamente, pela televisão por dezenas de “espertos” (é como os espanhóis chamam aos especialistas) com as mais díspares opiniões sobre a multidão de acontecimentos que, de repente, explodiram entre nós. É evidente que isto não se passa só cá. Lá fora é a mesma coisa e os países e as suas leis têm que encontrar os meios que levem os gajos dos estojos de lápis de côr a confessar onde puseram os lápis ou, em caso contrário, que os façam mergulhar em celas partilhadas com outros gajos, se calhar de bem diferentes estratos sociais, que lhes fazem a vida negra lá dentro.
É uma chatice, não há sítio onde se possa viver em paz.
Uma descrição em tom ligeiro e irónico do que se lassa realmente. É uma boa maneira de encarar as malfeitorias de que temos todos os dias notícias. Aqueles que não estão metidos nesse tipo de esquemas, têm razão para se irritarem com os feitos. Mas, como seria a nossa vida se a irritação fosse um estado de alma permanente?
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Preocupante…! Recordo-me de ter aparecido há muitos anos, nos écrans dos cinemas de Lisboa um filme chamado Mundo Cão.
Jacoppetty, um realizador controverso, atento às mais variadas situações de comportamento das civilizações. Não sei se ainda vagueia por este mundo, à procura de cenas caricatas, para um outro filme do mesmo teor. Sei, pelo que vamos sabendo, que de tempos em tempos, vão aparecendo novos casos de figuras ditas respeitáveis, a mudar de hábitos que poderiam encher um novo guião para um outro tipo de filme…! Talvez sobre personalidades. Talvez, cenas derivadas do cansaço de se mostrarem honestos e de se sentirem ingénuos, perante a visão de uma corrente imparável de oportunidades! Ainda sobre isto, um outro filme com o nome de A Dança dos Milhões. Um filme cheio de romantismo e cenas rocambolescas, onde os dólares saltitavam de mão em mão. Eles, os intocáveis, de uma sociedade onde a verticalidade pareceria ser um exemplo para os de frágeis ganhos, entram em cena, altivos, dispensando qualquer guião, apenas apoiados na sua vaidade e arte de bem representar, espalhando miríades de estrelas luminosas pelos seus súbditos defensores, já tão esgotados de credibilidade. Tal e qual, como o burlesco de uma sociedade que se engana a si própria e se divide em paixões de esquerda e direita, não se enquadrando em nenhum desses lugares. Apenas porque a opulência cega. Apenas, porque lhe interessa sentir-se grande e poderoso, escondendo-se sob a pele de cordeiro…!
Eles e os lobos…! Bem ! Esses outros lobos, ficaram em casa a tomar chá com a avozinha…!
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