Desde crianças que nos habituámos, no mundo ocidental, a esperar, nesta época, pela chegada do Pai Natal transportado num grande trenó puxado por elegantes e simpáticas renas. Diz-se que vêm do norte, os mais cultos avançam mesmo com a Lapónia, e, dessa forma, as cianças vão-se habituando à ansiosa espera do trenó, das renas e das prendas, claro. Aos poucos, muitas delas vão-se afeiçoando ao presépio, à História dos seus personagens, seguindo também a religião cristã que o presépio sempre recorda. Mas as renas e o Pai Natal, coisas em que deixam de acreditar por volta dos 7 anos (às vezes não dizem nada aos pais para não ameaçarem o encanto daqueles dias), ficam como imagens de culto para toda a vida. Até nós, os adultos, achamos graça aos Pais Natais que surgem por toda a parte nesta altura natalícia. Vamos ver se, desta vez, a pandemia terrestre não afeta também esses chegados não se sabe de onde.
Isto é o culto, outra coisa é a realidade que, muito recentemente, foi posta em relevo. Num excelente artigo do correspondente do Le Figaro na Suécia, Frédéric Faux, podemos tomar conhecimento “do arrependimento da Igreja sueca em relação aos “samis” ou lapões”. Estes criadores de renas, último povo autótone da Europa, foram oprimidos durante séculos. Uma humilhação hoje reconhecida pela Igreja e pelo estado sueco. Numa cerimónia que teve lugar na catedral de Uppsala, representantes da Igreja da Suécia e os da comunidade samie sentaram-se em estrados simples de madeira em torno de um fogo simbólico e iniciaram as suas orações comuns. Estavam presentes ministros e dignitários das Igrejas do Canadá e da Noruega que se confrontam, igualmente, nos seus territórios com a mesma questão autótone. O arcebispo da Suécia, Mons. Antje Jacklen, pediu desculpa. Lamentou “os estudos raciais” que a Igreja permitiu nas suas paróquias; as crianças que ficaram isoladas nas escolas nómadas, “forçadas a afastar-se da segurança das suas famílias”; “os nomes lapões desaparecidos, substituidos por nomes suecos” nos registos de batizado e de casamento; uma evangelização que atabafou “a língua, a identidade e a cultura samie”. O que originou “um alto grau de opressão a que os lapões ficaram expostos durante a colonização do país”.

Este infograma mostra-nos a azul claro e escuro as enormes zonas ocupadas pelos lapões em regiões da Noruega, Suécia, Rússia e Canadá mais a norte.
“A questão das relações com os lapões , último povo autótone da Europa, que conta com 80 000 a 100 000 almas para lá do círculo polar, da Escandinávia à Rússia, atravessa toda a história da Suécia. Quando o reino sueco colonizou a Lapónia tratou logo de assimilar estes criadores de renas, e sobretudo as suas superstições, “obras do diabo” , à nova religião do Estado de obediência luteriana”. A Igreja sueca tem tido um papel importante nos inquéritos raciais sobre atitudes levadas a cabo principalmente sobre a época de 1910 a 1940. Têm sido muitas as promessas de compensações sociais e financeiras mas como diz o diretor do Instituto Nacional de Biologia Racial de Uppsala, Herman Lundborg, “esta visão dos Samis como uma raça inferior impregna toda a sociedade sueca”.
Os relatos e a história sobre este tema são muito longos e profundos. Os interessados terão à sua disposição muita literatura sobre o assunto. Mas, apesar de tudo, não deixaremos de ver nas renas e no Pai Natal a aproximação de uma época que o catolicismo mundial venera e onde, crentes ou não crentes, encontram um período de aligeiramento de sentimentos, solidariedade e desejo de uma paz que tarda a chegar. Infelizmente os exemplos atuais são muitos e dolorosos.
Que o espírito das renas e das gentes que as pastoreiam possa contribuir para que as crianças de hoje, ao serem deslumbradas pelo sonho, o possam vir a transformar em realidade. Os pedidos oficiais de desculpa estão dados. Há que continuar com esse enorme trabalho de libertação de gente refugiada, desprezada e morta. O Papa Francisco, antecipando-se ao Natal, deslocou-se a locais onde se encontram retidos milhares de pessoas que fogem aos seus verdugos, à miséria e à fome. Esta acto corajoso do Papa lembra-nos mais uma vez a injustiça dos homens e a falta de bondade que encontra desculpas nos devaneios políticos que enxameiam o mundo.
Por isso o exemplo da Suécia tem importância. Reconhecendo os seus erros históricos vem pedir desculpa e perdão a um enorme grupo que dominou e escravizou durante séculos. Seria um excelente exemplo para tantos outros que têm feito e continuam a fazer coisas bem piores aos seus concidadãos.
Neste Natal talvez se possa falar às crianças nas maravilhosas renas do Pai Natal, nas prendas que eles trazem, salpicando esse deslumbramento com alguns apontamentos que lhes permitam vir a ver o mundo com mais solidariedade para com “outros lapões” que os noticiários se encarregam de nos mostrar sem vontade verdadeira de humildade de, como fizeram os suecos, pedir perdão e tentar minorar as desgraças que tocam a todas as nossas portas.
Esperemos pelas renas do Pai Natal com bons votos para todos: crianças e pais.