Já temos escrito neste blogue diversos textos sobre o que hoje dizemos em título: mulheres e ténis. O que me levou, desta vez, a refletir sobre o tema foram as notícias de dois casos recentes que trouxeram ao mundo do desporto (o ténis neste caso) as personalidades, os constrangimentos e os envolvimentos políticos que acabaram por transparecer.
Para clarificar, começo por dizer de quem se trata: a inglesa Johanna Konta e a chinesa Peng Shuai. Embora os meus antecedentes de dirigismo desportivo se encontrem muito ligados à modalidade do ténis não é essa a razão básica deste texto. O que mais me interessou foi regressar, por um lado, aos labirintos físicos e mentais da alta competição e, por outro, ao tormento político que ainda se vive em muitas partes do mundo.
Comecemos por Johanna Konta. Tem sido a mais famosa e bem sucedida tenista dos últimos anos do Reino Unido. Konta nasceu em Sydney, na Austrália, filha de pais húngaros e mudou-se para Inglaterra com 14 anos de idade. Representou a Grã Bretanha em 2012 e atingiu o 4º lugar na classificação mundial do ténis feminino em 2017, tendo sido a primeira jogadora inglesa, em mais de 30 anos, a atingir os quartos de final de um Grand Slam (provas de maior classificação internacional). A sua maior vitória terá sido a do Open de Miami em 2017 e, já este ano de 2021, conseguiu a sua quarta final em torneios da WTA (Women Tennis Association) . E a última. Com 30 anos de idade resolveu abandonar a modalidade. Confessou que a “vida de desportista de alta competição sempre lhe acarretou momentos de alta tensão como outros de grande depressão”. Esta decisão e estas declarações remetem-nos, de novo, para o esforço que é exigido a qualquer atleta que envereda pela alta competição. A sua vida passa a ser exclusiva dessa sua modalidade, com o seus ritmos de treino, de alimentação, de repouso que não se compadecem com a vida normal de um estudante, por exemplo, ou mesmo com a vida normal de um adolescente. Tudo isto deve ter o apoio incondicional dos pais , sem o que nada será possível. É uma opção crucial, muitas vezes bem recompensada financeiramente, mas também muitas vezes frustrante e não tão compensadora como se possa imaginar. As lesões são outro tormento para estes atletas. Konta, por exemplo, num ano em que estava em 14º lugar da classificação mundial teve uma lesão num joelho que a fez descer para 113º lugar da classificação. O esforço mental não é de somenos importância. Ao anunciar o seu abandono da modalidade disse claramente que “gostaria de continuar a jogar em provas de alto nível mas, na realidade, não é isso que quero fazer na continuação da minha vida. Continuo a ser apaixonada pelo Desporto mas sei que tenho muitas outras coisas a que me posso e devo dedicar”. Na conferência de imprensa em que deu a notícia do abandono perguntaram-lhe qual o legado que poderia deixar a outros desportistas. Respondeu que “talvez possa deixar alguma inspiração para os mais talentosos e dotados mas com uma grande chamada de atenção para as suas capacidades físicas e mentais em função das idades”. A Psicologia do Desporto tem hoje muitos profissionais que orientam e protegem os milhares de atletas de alta competição durante as suas carreiras. Há uns anos um amigo meu pediu-me opinião sobre a opção que deveria tomar relativamente a um filho seu que era bom jogador de ténis e pensava dedicar-se à alta competição. Modestamente mas com amizade disse-lhe, mais ou menos, o que deixei claro neste texto. Por decisão do pai e de acordo com o filho, o rapaz acabou por não enveredar pelo ténis profissional e dedicou-se ao estudo convencional onde acabou por ser muito bem sucedido. Terá sido uma boa decisão? Não sei. Mas poderá ter sido a melhor decisão. Talvez houvesse talento mas, decerto, não havia a paixão. E sem ela não vale a pena.
Falemos agora um pouco de Pena Shuai, tenista chinesa de 35 anos, já classificada em primeiro lugar na modalidade de pares, a nível mundial. Numa rede social chinesa, Weibo, fez declarações acusando o antigo vice primeiro-ministro de 75 anos de idade, Zhang Gaoli, de a ter coagido a ter relações sexuais. O “post” foi rapidamente eliminado pela censura e Peng desapareceu já há várias semanas. A WTA, a que já nos referimos atrás, e muitas das suas colegas do ténis, como Naomi Osaka ou Serena Williams, tentaram contactá-la sem qualquer resultado. O canal de televisão chinês CGTN, propriedade do estado, informou a presidente da WTA que a tenista “estava a descansar em casa” e que “tudo estava bem”. O Presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, falou com ela por vídeo-chamada e informou que Peng “lhe pareceu bem e aparentemente tranquila “. As organizações de direitos humanos já propuseram a não realização dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim enquanto que a WTA já ameaçou com a não realização de provas de ténis na China até que o problema se resolva. Conhecendo-se a forma de estar da China no contexto mundial todos tentam utilizar apenas “uma modalidade diplomática moderada “ mas receia-se, claro, que o assunto se prolongue de forma menos tradicional.
Este é outro dos flagelos que têm assombrado, desde há muitos anos, os atletas, os seus treinadores ou os dirigentes. Como já escrevi em textos anteriores, muitas notícias, verdadeiras e verificadas, de abusos ou prevaricações sexuais, têm vindo a público com denúncias, julgamentos em tribunais e condenações efetivas. Como em muitas áreas da vida o Desporto não escapa aos “abutres da violação “ e do desrespeito no seio das suas numerosas atividades. E não só no ténis. O mesmo se passa em muitas outras modalidades. O problema são as pessoas, não o Desporto. Também estes casos acabam nos gabinetes dos psicólogos mas, infelizmente, as carreiras desportivas de atletas talentosos acabam interrompidas por força de alguns energúmenos que enxameiam as sociedades e também, neste caso, o Desporto. Quando há liberdade de opinião e de imprensa as coisas ainda se vão sabendo para serem tomadas medidas adequadas. Mas no caso da tenista chinesa a coisa vai ser bem mais difícil.