O JUBILEU DA “MINHA” RAINHA

Começo por esclarecer que, como todos os que me conhecem já saberão, não sou monárquico. Portanto tudo o que a seguir escreverei será um misto de simpatia e de recapitulação do meu próprio passado.

Estava-se em 1953, eu no meu 6º ano do Liceu, e, com o falecimento do Rei George VI, foi coroada a sua filha mais velha, Isabel, como Rainha de Inglaterra, do Reino Unido e de toda a Commonwealth. Isto passou-se a 6 de Fevereiro de 1953, tinha a jovem Rainha 25 anos. Os professores falaram-nos muito nessa altura sobre o notável evento do pós 2.a Grande Guerra. George VI tinha sido para nós um personagem remoto, era uma figura da nossa adolescência. Sabíamos que era rei porque o irmão tinha abdicado mas, na realidade, toda essa história só a viemos a conhecer mais tarde, com leituras e filmes sobre todos eles.

O que verdadeiramente chamou a nossa atenção foi a coroação da nova e jovem Rainha que alimentou os imaginários sonhadores daqueles tempos. Lembro- me bem das explicações dos mestres liceais do meu tempo sobre o enorme investimento público que representava a mudança, em todo o reino, das referências “God Save The King” para “God Save The Queen”. Para além de toda a documentação oficial que passaria a iniciar-se por novas referências e novos símbolos nobiliárquicos, tudo isto em milhões de documentos, com uma despesa de muitos milhões de libras. Mas esse facto não incomodou o Tesouro Britânico. Havia Rainha e isso era o que contava. E eu acrescentarei que é o que ainda conta.

A Rainha Isabel II visitou Portugal em 1957. O seu desembarque do iate real HMY Britannia (já há muitos anos fora de serviço) teve lugar no Terreiro do Paço, onde foi recebida, com o seu marido o Duque de Edimburgo, pelo Presidente Craveiro Lopes e sua Mulher. A guarda de honra, nas escadarias do Terreiro do Paço, foi feita por um pelotão de cadetes da Escola Naval do qual (o que é a vida!!) eu fazia parte. O apresentar armas com espada, como saberão, exige a rigidez de uma estátua o que não nos impediu de fazermos rolar as órbitas oculares para acompanhar a lenta subida da jovem Rainha e admirarmos a sua cara e os seus belos olhos. Foram segundos que para nós contaram como horas, a tal ponto que eu e os que, ainda vivos, também lá estiveram, nunca mais esqueceram. Aqui fica a prova.

Muitas Rainhas e até Imperatrizes têm passado pelo firmamento das nossas contemplações mas Isabel II ficou, para mim, como uma referência permanente de curiosidade e, digamos até, de respeito pela sua vida e pelo seu já longuíssimo reinado.

Não querendo discutir as fortunas da realeza, dos seus incontáveis patrimónios, das vantagens ou desvantagens do sistema monárquico, situo-me apenas na vida desta Rainha e de todas as atribulações que foi obrigada a viver. Os seu filhos, irmã e netos não lhe têm dado descanso. Passou pelo eterno romance de Lady Diana (que se diz nunca ter apreciado muito) , a Princesa do Povo como ficou conhecida. A sua morte e os romances intercalares de Diana e do marido Charles não lhe trouxeram simpatias acrescidas. Prestou, discretamente, as homenagens que tinha que prestar a Diana e recolheu-se nos seus palácios para vir a suportar, não muito mais tarde, o que já lhe era anunciado: o novo casamento de Charles com Camila Parker Bowles, atual Duquesa da Cornualha, pessoa que a Rainha, delicadamente, detesta. Por sua morte, o filho Charles será rei e Camila rainha. Nada que a deixe sossegada, claro. Disse, em tempos, que aos 95 anos abdicaria. Perdeu, entretanto, o seu companheiro de sempre, o Príncipe Filipe, e pudemos ver, pela televisão, talvez a imagem mais triste e recolhida de uma Rainha amargurada. Curiosamente, senti a sua dor e compreendo a sua força ao decidir continuar no trono, sem abdicar, aguardando, sabe-se lá, por um inusitado e complexo esquema que consiga que o seu neto William lhe suceda.

Mas falemos do Jubileu da Rainha que, com 95 anos, será a primeira a atingir os 70 de reinado. Os britânicos estão a organizar os festejos desse Jubileu e que, segundo eles, não terão precedentes. Os festejos durarão 4 dias , dois dos quais serão feriados. Começarão a 2 de Junho, data do aniversário da coroação, em 2/6/1953, na Abadia de Westminster. Haverá um desfile militar na 5.a feira , ao mesmo tempo que em 1500 cidades do Reino e territórios britânicos do ultramar e capitais de países da Commonwealth será acendido um archote. No dia seguinte haverá uma cerimónia na Catedral de Saint-Paul. No sábado haverá um concerto em Buckingham com as maiores estrelas mundiais da música. No domingo realizam-se mais de 1400 “almoços do jubileu”e cerca de 200.000 “festas de vizinhança” , organizadas por todo o país por voluntários. As festividades serão encerradas com desfile gigante nas ruas de Londres reunindo artistas, comediantes, dançarinos, músicos, trabalhadores essenciais, benévolos e militares.

Cerca de 60.000 árvores serão plantadas por todo o país para formar o que se chamará “a cornucópia verde do jubileu “. Cada britânico será convidado a plantar uma árvore que fica a figurar numa conta digital apresentada à Rainha. Haverá um concurso para criar “um novo pudim dedicado à Rainha “ . Espera-se que se torne um clássico como a “Victoria Sponge” , o bolo criado pela duquesa de Bedford e que passou a ser o favorito da Rainha Vitória.

Será importante ressaltar que, de acordo com um estudo recente, 85% dos britânicos nunca conheceram outro monarca.

Não é de admirar o entusiasmo com que os britânicos aguardam por estes festejos. Do que a Rainha não se livra é do seu próprio povo, um povo de “alterne”, capaz de realizar avanços notáveis em todos os domínios, como de encontrar gente como os ideólogos do Brexit, cuja consumação nunca recebeu o aplauso vigoroso de Isabel. Depois de tantos primeiros-ministros com quem conviveu (e de tantos presidentes de outros países com quem se relacionou) terá que continuar a aturar o desbragado Boris e as suas festas natalícias em plena pandemia, os ministros, como Dominic Cummings, que se escapam a determinações legais por eles decididas, a um filho (quase inevitável herdeiro) que anda sempre a mexer nos botões de punho e, agora, ao outro filho, o André, que vai a julgamento nos Estados Unidos, acusado, sabe-se lá se com razão, de ter “brincado” há uns anos com uma jovem de 17 anos e que, agora, é casada e vive feliz com um marido a quem deve fazer jeito qualquer indemnizaçãozinha que venha do processo. É realmente uma grande dose para uma Senhora de 95 anos!

Estou certo que, no seu recolhimento tradicional, zelando por todas as malandrices que a família e os súbditos lhe vão pregando, não deixará de ver, na BBC, a série que todos nós vemos, Line of Duty, com a Vicky McClure fazendo de agente Kate Fleming, o Martin Compston como agente Steve Arnott e Adrian Dunbar fazendo de grande chefe Hastings, perseguindo a corrupção nos mais altos estratos da engrenagem policial em conluio com as quadrilhas civis, coisa que a Rainha não deixará de aplaudir no recanto da sua saleta e saudando com o martini com que parece simpatizar.

Aqui ficam, modestamente, as razões pelas quais eu lhe chamo a “minha” Rainha.

Um pensamento sobre “O JUBILEU DA “MINHA” RAINHA

  1. Um belo texto, que me devolveu um pouco a ténue disposição perdida algures, entre as actuais azafamas politico-eleitorais.,
    Nos tempos que vão correndo, muito já se disse e muito ainda se escreve sobre a personalidade da Rainha Isabel II. Também a recordo dos tempos em que todos nós éramos ainda imberbes, e da admiração que sentíamos pelas duas irmãs, que durante a 2ª Guerra se dispuseram a conduzir ambulâncias e executar serviços de mecânica nos A T S – Serviços Femininos Auxiliares do Território. Uma época dramática, não só para a Inglaterra como também para toda a Europa. E estas figuras, conservo-as na minha memoria, adicionando-as à estima que tenho, pela tenacidade de uma monarca que tem deixado a sua personalidade bem vincada, em todos os cantos do mundo. Como avô de três jovens britânicas, também elas grandes admiradoras da sua rainha, poderei atrever-me a dizer em coro, God Save The Queen…!

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