Nas últimas semanas voltámos a ver, ler e a utilizar palavras que se tinham distanciado dos nossos discursos habituais. Fomos inundados por invasões, morticínios, refugiados, trincheiras, foguetões, destroços, orçamentos de guerra, “stingers”, gás natural, oleodutos, sanções, armamento militar, estado pária, guerra nuclear, bunkers, resistência, bombardeamentos, bombas molotov, voltámos, em suma, a falar de tudo o que se diz com uma única palavra: guerra. Não é que este vocabulário tenha deixado de existir mas, quando o utilizávamos, era sempre referido a coisas que se passavam em locais distantes, que não pareciam ser deste nosso mundo europeu. Mas eram. Os horrores não têm fronteiras mas quando tudo se passa em regiões próximas de nós parece-nos que o flagelo é mais sangrento e mais perigoso. E, na verdade, este é.
Da primeira guerra mundial restam-me os relatos, os filmes, descrições de antigos familiares que por lá andaram e conseguiram regressar. Da segunda guerra mundial lembro-me bem. Sou dessa época (isto da idade é um problema…). Lembro-me dos noticiários do que se passava em toda a Europa e do que acontecia entre nós, país equivocamente considerado neutro, e as contigências a que todos fomos obrigados: carências alimentares com as famosas senhas de racionamento, as famosas listas de papel coladas nos vidros das janelas para evitar fragmentos em caso de bombardeamento, coisas, enfim, que nos marcaram mas que nada tiveram a ver com a guerra propriamente dita nem com os horrores que agora regressaram ao nosso continente. Foi uma guerra tão monstruosa que os países europeus disseram que “guerra na Europa nunca mais”. Os anos passaram, os países reconfiguraram-se, as alianças alteraram-se mas, pelos vistos, nem tudo se acautelou para que o horror não regressasse.
A história da guerra é a história da humanidade. Não há regiões, continentes ou países que se possam orgulhar de fundações “bacteriologicamente puríssimas“. Sem relembrar as guerras e batalhas antigas que preenchiam os nossos livros de história, tivemos depois a vida que prodigamente nos foi confrontando com as terríveis realidades do mundo.
Esta invasão desbragada da Ucrânia atinge o centro pleno de uma Europa que se julgava imune a desastres desta natureza. Fica perto de nós, atinge e mata gente de uma nacionalidade que nos é familiar pela sua convivência solidária e educada, desde há anos, no nosso país. Uma guerra desencadeada por ditador implacável que conhece bem as artes das invasões e do atropelo dos povos. Nasceu na época imperial da União Soviética, desempenhou os cargos mais poderosos da máquina soviética, estudou nesse tempo, criou amizades desses tempos e viu-se despojado da alma mater das suas ambições que era, justamente , ser o czar de todas as antigas planuras soviéticas.
Por muitas razões que se invoquem para os seus desmandos não deixará de ter, na história, um rodapé de tirania e de desempenho intelectual deploráveis. Foi um monstro que pensou e se manifestou de forma cruel à luz do mundo e do seu tempo. Sem diálogos ou com falsas declarações a que já nos habituou Putin não passa de um assassino internacional que, por tal, será um dia punido. Esperemos que o seja antes que os danos sejam irremediáveis.
O grupo que o rodeia e o incita às tomadas de posição que conhecemos é constituído por 8 personagens sinistras dignas de cadeirões no Tribunal de Haia. Não valerá a pena transcrever-lhes os nomes mas Labrov, Petrushev e a sinistra Valentina merecem uma especial chamada aos “tércios” para a estocada final. Ninguém sabe quando este inferno acabará mas o que grande parte dos países do mundo já fizeram, em especial os europeus, poderá vir a conter as arremetidas do “urso” e permitir que se regresse ao diálogo sem especulações. Com algumas contrapartidas que, inapelavelmente, terão que ser concedidas. Mas nunca se poderá confiar na sanidade mental de um ditador fascista. Há umas semanas duvidava-se que ele desencadeasse o ataque à Ucrânia e ela aconteceu. Ele já ameaçou com disponibilidades nucleares e também ninguém acredita. Esperemos que todos tenhamos razão.
A recapitulação do vocabulário com que iniciámos este texto relembra-nos as desgraças de tragédias passadas mas alerta-nos para o fenómeno talvez mais importante dos nossos tempos: a solidariedade do mundo. Em apoio de um herói improvável, o Presidente Zelensky, e contra a besta que urra pela manada para lá dos Urais.
Desde muito jovem que aprendi o significado do sofrimento das guerras. Passei parte dos meus verdes anos a cruzar-me com refugiados de guerra, como se isso fosse habitual no mundo. em que se vivia. De facto, isso não fugia muito à verdade, tal o estado em que esta Europa se encontrava, destruída, e sem fim à vista- A incompreensão de uma Guerra Civil que arrasava a esperança de uma nova vida em terras de Espanha e a loucura das paixões que afogavam a esperança, ainda que ténue, de uma Europa a recompor-se das suas feridas profundas, procurando a felicidade entre os escombros ensanguentados. Em todas elas, o denominador comum, relacionava-se com a palavra Ditador, cuja perversidade de influenciar, era e parece continuar a ser, uma mente especialmente demoníaca. O calor dos seus discursos de outrora, passaram a ser diferentes. Meticulosamente pensados e mais sublimados para gáudio das suas gentes, agora tão esquecidas das investidas dos tanques nazis que iam destruindo tudo por onde passavam sem oposição e todas as terras aráveis das estepes da Rússia, ainda não cobertas pelos nevões do rigoroso Inverno. A Ucrânia, voltou a ter esse panorama, nos mesmos moldes da segunda guerra, bem mais sofisticados, mas por um povo que se diz irmão e que sofreu com ela, todos os horrores de uma guerra sangrenta e cruel ! Não sei de que lado se encontra o General Inverno que tarda a chegar. Talvez prometendo congelar as esperanças de um país corajoso, disciplinado e trabalhador, que optou pela liberdade de poder dirigir os seus destinos. Mais uma guerra que poderá vir a acelerar o fim de uma civilização chamada Ocidental e Cristã…..!
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Muito bem ! Um texto adequado à situação que vivemos. Gostei particularmente da expressão “ditador fascista”
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