MARCEL MARCEAU

Vi Marcel Marceau numa das duas vezes que deu espetáculos em Lisboa, em 1959 e 1962. Vi-o em 1962, no Cinema Tivoli, e nunca mais esqueci a sua maravilhosa atuação. Não seria possível fazer melhor do que ele, expressar-se por gestos, sem falar, transmitindo emoções com conteúdos dramáticos ou romanescos, mas sempre eivados de uma superior inteligência que cativava as audências e transformava um espetáculo de cerca de uma hora num deslumbramento de alguns minutos.

Fui acompanhando as suas inúmeras atuações ao longo dos anos e os êxitos que ia acumulando. Até que soube da sua morte em 2007, com 84 anos. Foi o mais espantoso e celebrado mímico dos pós-segunda guerra. Mas foi agora, em 2022, que fiquei a saber tudo o que não conhecia sobre Marcel Marceau. Escrevo este texto como testemunho da minha ignorância de tudo o que foi na vida este espantoso artista e cidadão . Fui ver um filme que se encontra em exibição nas salas de cinema e tem o título de “Resistência”. Um pouco descuidado, como tenho andado, com estas coisas dos filmes, por causa dos confinamentos, só de repente me apercebi que o filme tratava de um resistente especial em França, durante a segunda guerra mundial: Marcel Marceau.

A história da Resistência francesa e inglesa durante a guerra é, para os da minha geração, uma evocação extraordinária do que simples cidadãos são capazes de fazer pela causa da liberdade dos seus países. Coisa que, por coincidência, se estar a passar nos nossos dias, na Ucrânia, com um fantástico Marceau dos tempos atuais, o Presidente Zelensky.

Marcel Mangel nasceu em Estrasburgo em 1923. Oriundo de uma família judia francesa Marcel fugiu de casa com 16 anos, quando o seu país entrou em guerra e foi viver para Lille. Juntou-se mais tarde às Forças Livres de Charles de Gaulle e chegou a trabalhar como oficial de ligação da General Patton. O pai, um kosher proprietário de um talho foi preso pela Gestapo e morreu no campo de concentração de Auschwitz. Marcel mudou o seu apelido para Marceau para poder participar com mais facilidade na resistência. Depois de ter visto Charlie Chaplin, inspirou-se na expressividade da sua figura e inscreveu-se no Teatro Sara Bernhardt, em Paris, onde estudou todas as artes da mímica.

Durante a guerra a sua atuação na resistência baseou-se nas suas expressões pacíficas de mimo e conseguiu salvar muitas centenas de crianças abandonadas, transportando-as para a Suiça através dos Alpes. Viveu, de forma próxima, os terrores desencadeados pelo mais tremendo bárbaro do regime nazi, Klaus Barbie, conhecido pelo açougueiro de Lyon. Barbie conseguiu fugir para a Bolívia onde foi localizado em 1971. Foi extraditado para França em 1983 e sentenciado a prisão perpétua em 1987. Morreu na prisão de Lyon em 1991.

A intervenção de Marcel durante a guerra, na resistência, baseou-se sempre na perspetiva de salvar vidas, mais do que conduzir ações de morte e vingança. A solidariedade cria analogias curiosas ao longo dos tempos. Durante a Resistência da Segunda Guerra, Marcel Marceau salvou milhares de crianças de mortes certas infligidas pela loucura dos algozes. Na invasão da Ucrânia, nos tempos de hoje, a mesma solidariedade salva também milhares de vidas e crianças do abandono e mortes certas impostas por um louco, ao abrigo de exércitos fantasmas e rodeado por uma tribo que lhe dá conselhos em troca das suas próprias vidas.

Passada a guerra Marceau continuou a sua vida artística por todo o mundo. Criou uma figura única, BIP, o palhaço da cara pintada, usando um casaco surrado, um chapéu de ópera de seda e uma flor espetada que significava a fragilidade da vida. Atuou em todo o mundo e em todas as grandes capitais exibindo a “arte do silêncio” no desempenho de papéis dramáticos, satíricos e românticos, grande parte deles dedicados a crianças. A sua arte levou-o a participar em alguns filmes que lhe deram fama suplementar. Num desses filmes, Silent Movie, de Mel Brooks, foi o único ator com parte falante: Uma única pavra no fim: Non!

Por toda a sua vida de resistente e de artista foi alvo de imensas honrarias: o governo francês fez dele “Oficial da Legião de Honra” e, em 1978, recebeu a “Medaille Vermeil de la Ville de Paris”; recebeu as Chaves de Honra das cidades de Nova York, Los Angeles, San Juan de Puerto Rico e a Ordem Generalíssimo Francisco de Miranda da Venezuela. Em Novembro de 1998, o Presidente Chirac nomeou-o Grande Oficial Nacional da Ordem de Mérito. Foi Membro eleito das Academias de Belas Artes de Berlim, Munique e do Institut de France. Recebeu os títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades de Ohio, Princeton e Michigan. Foi nomeado para servir como Embaixador da Boa Vontade das Nações Unidas para o Envelhecimento, em 2002.

Casou três vezes, teve quatro filhos e morreu, como já disse, em 2007, com 84 anos.

O que eu não sabia sobre Marcel Marceau! Ainda bem que fui ver o filme Resistência . Acredito que não seja por coincidência mas o tema confronta-nos com a brutalidade que se está viver na Ucrânia e a heroicidade das resistências populares quando sentem que as suas causas são também as causas do mundo, contra flagelos impostos por loucos poderosos. A Europa já passou por isto e não acreditou que o mesmo viesse a suceder. Mas está suceder. Talvez Zelinsky possa vir a ser o Marcel Marceau dos nossos tempos.

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