PEDRO & VLADIMIR, LDA

Vladimir Putin tem-se referido, ultimamente, com muito afeto, ao seu czar antecessor chamado de Pedro, o Grande. É o seu émulo, a sua referência, o seu herói de banda desenhada. Ele, nos seus tempos, fez coisas que Vladimir gostaria de repetir. E isso tem de ser levado a sério. Mas quem foi esse tal de Pedro? Segundo a Grande Enciclopédia Soviética de 1955: “O czar Pedro I tinha caráter forte e capacidades polivalentes, natureza dinâmica, enérgico e tenaz nos objetivos a atingir. Como homem de estado prudente, repudiava o espírito de aventura, sabia tirar partido das diversas conjunturas políticas, e deu prova de grandes dotes estratégicos e diplomáticos.”

Isto é o que consta na enciclopédia mas a história contada nem sempre é tão complacente para com os seus dotes. Diz o historiador italiano Enzo Orlandi coisas muito mais saborosas. “Foi chamado Grande talvez porque nenhum, além dele, tenha merecido tal cognome. Pedro I, filho de um segundo casamento de Miguel Romanov, czar de todas as Rússias de 1682 a 1725, foi verdadeiramente grande em tudo: no vigor, no físico de colosso, no temperamento sanguíneo e imprevisível; na coragem com que soube arrancar o poder à meia-irmã Sofia e desafiar o ódio de muitos súbditos contrários às suas ousadas reformas; na lucidez da sua política externa, que alargou até atingir a meta do mar aberto, já indicada por Ivan IV, o Terrível; na violência da política interna orientada para uma muito rápida modernização das estruturas sociais, políticas e religiosas do país. E Pedro foi também grande na crueldade e na ferocidade de muitos dos seus delitos. Não lhe repugnou substituir-se aos esbirros para acabar com os seus inimigos e talvez, diz-se, para matar o seu próprio filho Aleixo.

Mas este soberano absoluto, torturador e algoz é grande, sobretudo, porque soube tornar grande a Rússia. Tirou-a de um secular isolamento, contrariou a sua tendência para se tornar potência asiática e fez dela uma grande potência ocidental. Uma potência com a qual, a partir de 1700, todos teriam que contar, desde Carlos XII da Suécia, a Napoleão, a Hitler. Trabalhava desordenadamente, como um louco, seguindo impulsos de momento, contradizendo-se ou mudando de rota. Criava universidades onde não havia escolas elementares, trabalhava sob o signo da pressa, fazendo coisas que os seus seguidores não poderiam manter. O czar admirava muito a ciência e a técnica da França, Holanda, Inglaterra e Suécia mas, como escreve o seu biógrafo francês Henry Valloton, ele nunca pensou desviar a Rússia do seu destino, fazer dela uma sucursal da Europa. O próprio Pedro terá dito: “Precisamos da Europa durante alguns decénios; depois poderemos tranquilamente voltar-lhe as costas”. Voltar as costas talvez quisesse dizer “dominá-la” e terá sido muito significativa a sua frase, pronunciada por ocasião do lançamento ao mar de um novo navio de guerra: “Espero que dentro de alguns anos estejamos em condições de humilhar os países vizinhos, colocando a nossa pátria no mais alto cimo da glória.” Era um augúrio profético!

Talvez agora se perceba melhor as referências de Vladimir ao seu antepassado. O que ele profetizou mas não chegou a fazer, alguém tem que cumprir. Uma missão que tem ser levada ao fim, mesmo usando de toda a brutalidade que isso exija.

Pedro, o Grande morreu. Todos morrem. Putin, Vladimir, também há-de morrer, talvez sem tempo para concluir as suas estúpidas e desmesuradas ambições. Mas é preciso que o tal ocidente esteja atento e que Vladimir não venha a ser substituido por outro “Grande” que queira seguir os mesmo caminhos. A luz da História ajuda-nos a perceber as emulações e devaneios dos loucos dos nossos tempos.

Deixe um comentário

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s