O que ando a ler 2

A Feira do Livro de Lisboa tinha sido inaugurada há alguns dias antes. Por sugestão do meu filho Miguel e minha nora, uma visita que há muito esperava fazer, não poderia esperar mais. Diferenciava-se de muitos outros anos, proporcionando um passeio sem correrias a fugir de possíveis chuviscos inesperados, tão frequentes em finais de Agosto. Os passos lentos e a curiosidade que cada stand nos suscitava entre a multidão de visitantes, completavam um dos passeios mais agradáveis de Lisboa. A procura de novos livros que apetecia ler! A leitura, também tem destas coisas relacionadas com o apetite, fugindo à monotonia dos dias sempre iguais, sem mais novidades além da política e a guerra que nos anda a consumir a alegria.

Andava com ideias sobre qualquer coisa que me falasse de África. Os títulos, pouco ou nada me sugeriam, sobre os tempos em que por lá andei. Pensava como quatrocentos anos de história não tivessem dado motivos a um contínuo fluxo de romances ou aventuras para preencher a história da nossa presença e outras experiências por aquele continente.

O dia estava quente de tão ensolarado, sem qualquer nuvem que nos fornecesse um pequeno descanso na sua furtiva sombra.

Parei em frente do stand da Editora Colibri, e no meio de uma boa colecção de livros em exposição, acabei por encontrar um que me chamou a atenção. Para muitos que nasceram uns quantos anos antes, ou depois do 25 de Abril, talvez não lhes dissesse nada de especial, pois raramente se fala desse nome: Lourenço Marques…! Um livro escrito por Nuno Roque da Silveira, que nos conta como a vida daquela bonita cidade se fazia no seu mundo próprio. Historias que se foram perdendo na voragem dos tempos. Talvez o complexo de uma colonização, nem sempre bem acolhida, como aconteceu com outros povos colonizadores.

Um livro de uma simplicidade descritiva da vida daqueles tempos e profusamente ilustrado com fotografias dos tempos coloniais, que nos vão prendendo à sua leitura, fazendo-me lembrar tantas conversas que travei com o grupo de amigos.

A linguagem, tão característica de quem se habituou a expressar palavras com influência sul-africana e dos próprios nativos, tornava-se curiosa. Referiam-se a um flat, quando queriam dizer apartamento. Maningo, linguagem landim que queria dizer muito, ou Tchunguila, quando se referiam à beleza de uma rapariga bonita.

Conheci Lourenço Marques, quando do meu regresso da Índia Portuguesa, em 1957. Uma curta paragem que me deu a possibilidade, de em tão curto espaço de tempo, visitar os pontos que já há muito conhecia de ouvir falar, em conversas de café, com amigos que tinham vivido em L.M. e se mantinham em Lisboa para estudar. Por feliz acaso, ao passar por um Café chamado Scala, olhei através da grande montra de vidro, para o seu interior. Parecia um Café idêntico aos grandes Cafés de Lisboa e Porto. Alguém acenava efusivamente, lá de dentro, chamando-me a atenção. Nem mais! Um desses grandes amigos, com que me reunia todas as noites na Pastelaria Copacabana, da Guerra Junqueiro, corria a abraçar-me com ar incrédulo. Sua mulher, mais calma, acompanhava-o com a mesma surpresa daquele inesperado encontro. O mundo tornara-se realmente pequeno naquele momento…! O próprio Café Scala, também era um dos pontos que tinha fixado e desejado conhecer. Já podia entender um pouco melhor dos entusiasmos com que se falava naquelas tertúlias, entre amigos.

O belíssimo edifício da Estação dos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques, não ficou esquecido, nem o Hotel Polana que apreciei de longe, escapou à voragem da minha curiosidade e dos três companheiros da expedição militar que nos levou a Goa. Tínhamos alugado um táxi, cujo dono se prontificou a acompanhar-nos, facilitando-nos o percurso. Eram pontos que não podia perder, mesmo a contra-relógio. O navio Niassa, sob bandeira militar, não esperava. O que poderia acontecer era um processo disciplinar, pois a viagem de regresso à Metrópole, não fugia à disciplina.

Conforme íamos circulando, o condutor, que nunca mais me lembrei do seu nome, já amigo, ia-nos mostrando os edifícios e bairros mais famosos. A catedral, o museu, o bairro china, e o que me admirou bastante, a existências de carris em certa zona da cidade…! Tinha existido em tempos, uma empresa de transportes eléctricos, como os do Porto ou de Lisboa. Lourenço Marques era uma cidade diferente de todas as outras, pela importância que tinha, na ligação administrativa com a Índia Portuguesa. Por sugestão minha, pedi para irmos atá à praia do Polana. Sabia que não era longe do centro da cidade. Esse desvio acabou numa aventura, onde senti que tínhamos batido o recorde de velocidade em natação. Mudámos de roupa e vestimos uns calções alugados. Coisa de jovens, ávidos de aventuras e experiências. Ao chegar à torre de saltos que se erguia a uma certa distância da praia, notámos que a rede de aço que protegia os banhistas do ataque de tubarões estava completamente destruída pela corrosão contínua da água do mar. Mergulhámos em simultâneo e nadámos para a praia, em longas braçadas, quase sem folgo para respirar!

Chegados a bordo, peguei na pequena colecção de livros que tinha conseguido comprar na 1ª Feira do Livro, ainda em Pangim, Goa, comecei a ler, fazendo parecer mais curta, aquela viagem de regresso, sem qualquer outra diversão. A passagem junto a Darwin, e ao dobrar a Cidade do Cabo, transformou-se num novo Cabo das Tormentas, com vagas semelhantes a montanhas onde a proa do navio se perdia repetidamente, voltando de novo à superfície numa dança imparável. E ainda faltavam cerca de vinte dias de viagem um pouco mais tranquila para chegar a Lisboa! Passados tantos anos, a leitura deste livro, sendo mais uma narrativa documental da vida do autor em terras moçambicanas, fez-me levar a um passado onde milhares de outras historiais se esfumam na escuridão do tempo. Apenas, o cinema português, na sua habitual timidez, recolheu assuntos (poucos) para perpetuar como foi a vida de Portugal em África. Recordo Chaimite, pela mão de António Lopes Ribeiro, talvez um dos poucos filmes rodados em Moçambique que mais êxito teve entre nós.

Um pensamento sobre “O que ando a ler 2

  1. Também visitei, como habitualmente, a Feira do Livro. Não consegui ver tudo nu dia e tive de repetir. Vi muitos livros que tive vontade de comprar, e não comprei todos. Por uma razão simples : a minha velocidade de leitura é muito menor do que era e, nas minhas estantes, já tenho uma longa fila de espera…
    Mas, dois pormenores apreciei com satisfação : i) a quantidade de jovens superava em muito a dos meia idade e dos mais velhos ( um bom sinal sem dúvida); ii) a proliferação de esplanadas onde se podia comer, beber, descansar e conversar.
    Os alfarrabistas também tinham exemplares raros muito interessantes.

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