Acabei há poucos dias de ler o livro “Misericórdia” de Lídia Jorge. Antes dizer mais alguma coisa, devo confessar que Lídia Jorge é o escritor português vivo que mais aprecio. Pelos temas das suas ficções e pela beleza e facilidade da sua escrita.
“Misericórdia” é um relato pela voz da protagonista, uma senhora de idade muito avançada e reduzida mobilidade, dos seus pensamentos e do que a rodeia na situação de residente num lar. Abrange o tempo pré Covid 19 e a chegada da pandemia ao lar.
A descrição que faz da vida no lar fala-nos da presença do amor e de relações íntimas entre residentes, todos na terceira idade, das ideias retrógradas de alguns sobre a orientação sexual das pessoas, dos seus protestos (próprios e doutros residentes) mais ou menos veemente contra alguns pormenores da maneira como são tratados, da atenção, carinho e eficiência, ou da sua falta, por parte dos cuidadores e cuidadoras, da grande rotação destes e da entrada de trabalhadores estrangeiros, da sua interacção com uma rapariga brasileira ( que é explorada monetariamente por uma seita religiosa brasileira que lhe facultou a vinda para Portugal e que tem trabalho e descobre o amor fora do lar). Na parte final descreve a entrada da Covid 19 e o caos e mortes que daí resultaram.
Tudo revela que a vida no lar no fundo é uma imagem da vida de relação na sociedade em geral. Aquele microcosmo comporta-se duma forma extremamente semelhante ao do mundo exterior (nem podia deixar de ser pois as pessoas de idade avançada não deixam de ter os mesmos sentimentos e reacções que as mais novas). Mas a essência do livro são os pensamentos que os vários acontecimentos despertam na protagonista e o registo das decisões que vai tomando sobre si própria e sobre a vida que leva. É emocionante e por vezes comovente o seu apego à vida após um período de desânimo, a luta que trava com a ideia da morte, que a assalta quase todas as noites, a responsabilidade que ainda sente por orientar a vida da sua filha, adulta e escritora de sucesso, inclusive sobre os temas dos seus livros, a recordação que guarda preciosamente dum residente que mostrou interesse por ela e morreu repentinamente, o prazer de ouvir ler histórias por um amável jovem que faz de vez em quando serviço de voluntariado no lar, a maneira como encara a sua falta de mobilidade, as suas lembranças do passado.
Romance muito fácil de ler, dividido em capítulos muito curtos e sempre apaixonantes.
Ainda não li mas vou ler, embora a autora não esteja no topo das minhas preferências.
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