Allô, Allô!

Não se preocupem com a ortografia do título. Apeteceu-me divagar! Lembram-se da série televisiva, há já uns anos, que parodiava os incidentes , em França, de militares ingleses e franceses durante a segunda guerra mundial?  Uma série de episódios que nos enterneceram e que nos permitiram apreciar a jovialidade, o humor, a aparente ingenuidade de um maravilhoso francês que se atropelava a preservar as vidas dos aliados que frequentavam ou se abrigavam no seu café/restaurante. Ator, por coincidência, desaparecido há  pouco tempo.
Escrevo este texto no dia 5 de Maio, sexta feira anterior às eleições francesas.  Não é, portanto, um comentário político que não teria, nesta oportunidade, cabimento. Mas não deixa de ser um desabafo sentimental sobre um país que nos preencheu a vida desde a adolescência, que nos encantou com a sua irreprimível declaração de “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, com o seu Maio de 68, com toda a sua cultura que nos foi facultada por todos os meios ao nosso alcance, pensamento, literatura, artes em geral. E nós, latinos como eles, fomos sempre muito sensíveis a esse entrelaçamento espiritual. Claro que tivemos as invasões francesas e todos os vandalismos praticados nessa altura. Claro que que nem todos gostamos dos tiques arrogantes e narcisistas de muitos franceses, mas  julgo que nunca ficámos indiferentes ao que de melhor sempre de lá apareceu. A França tem sido nas últimas décadas um bastião da solidariedade social, uma defensora dos direitos essenciais dos seus cidadãos,  percursora da entidade europeia. A política deste continente, melhor ou pior, tem sido protagonizada pela França no equilíbrio sempre delicado dos países do norte com ao países do sul. A França desempenha os dois papéis mas não tem esquecido a sua vertente mais humanizada, menos conformada com espartilhos regulamentares, o seu perfume mediterrânico.
Bem ou mal, a França tem sido sempre um parceiro estimulante, vaidoso mas carismático, culto mas arrogante, universalista mas vítima desse seu universalismo histórico. Por tudo isto há muita gente que não gosta da França mas todos lhe reconhecem o perfume das suas lutas, das suas liberdades, da sua luta pela cultura, das suas ideias.
O projeto europeu tem sido, realmente, uma escalada difícil,  em que os seus protagonistas maiores não têm, talvez, sabido estar à altura do enorme desafio em que todos nos envolvemos. Um projeto que está hoje a ser posto em causa. E a França não está incólume. O seu peso específico neste envolvimento não tem sido devidamente balanceado e o seu prestígio próprio tem vindo a ser abalado. A generosa integração de outros mundos no seu mundo, feita  de forma polémica e já com resultados reconhecidamente desajustados, não lhe tem propiciado serenidade no seu percurso histórico.  Mas todos estes óbices não nos fazem esquecer, a nós que não somos franceses, a preservação das liberdades, a solidariedade social, o respeito pelos outros, o ecumenismo dos sentimentos. E quando se equaciona a possibilidade do regresso da França ao seu pior instinto napoleónico não podemos deixar de manifestar o nosso desejo (porque não pode ser apoio) que tal não se concretize e que os franceses se mantenham fiéis à  “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” que, no fundo, todos sempre admirámos.
Como poderemos deixar de estimar esse anarquista-cantor Georges Brassens que nos inundou com as suas geniais baladas como “La mauvaise réputation”, “Chanson pour l’Auvergnat” ou “Suplique pour être enterré à la plage de Sète”, terra onde nasceu?
Não, não deixem que isso aconteça. “Allô, allô”  franceses, não nos desiludam!

Um pensamento sobre “Allô, Allô!

  1. Já esperava, com uma certa ansiedade, mais um artigo neste ” Velhos são os Trapos “. E o que me surpreendeu, foi que pouco ou nada teria que comentar, porque tudo foi dito de uma forma admirável. E quando se fala de França, há sempre qualquer coisa mais para se dizer, tão rico é o relacionamento que temos com aquele país do Asterix, e das figuras de Hergé, que por acaso até era belga. E isto, seria para montarmos aqui uma longa conversa, que nunca mais iria parar, tal a riqueza de assuntos, que deixarei para a iniciativa de ” quem de direito “…! Mas aquele Allô Allô, do nosso amigo René Artois, que nos dispunha tão bem, e não só ele, mas também a sua empregada Yvette…! Oh, Lá-lá…! E das Michelle, da Resistência…! Infelizmente, já pouco se fala, do que elas e eles representaram para que a Liberté, Egallité et Fraternité, ainda chegasse aos dias de hoje. Quer-me parecer, que uma onda de ignorância, está a atravessar esta Europa dura de ouvido, embevecida pelo cântico melodioso das sereias, de uma Marina de águas revoltas…! Eu, prefiro ouvir Léo Ferré…! Talvez, Georges Brassen em ” Copains d´abord ” . Desconhecia que era de Sète, Região de Languedoc, que conheço razoavelmente…!

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