Acidentalmente, lembrei-me hoje de um filme inglês que vi há uns anos, cujo nome não me ocorre nem é importante, mas que me deixou uma marca muito forte pelo sentimento que transmitiu. Recordo um jovem casal apaixonado que passou por um terrível acidente de amor, afetado também pela morte de uma grande amiga comum. No rescaldo desesperado do infortúnio que ambos viviam a jovem pediu para o seu apaixonado lhe pôr a tocar uma melodia de Boyce. O filme acabou ao som da Sinfonia nº 3 de William Boyce, em modo muito suave e de grande tranquilidade. Não estava, na altura, muito identificado com William Boyce nem com a sua obra, mas investiguei e hoje sou um grande apreciador da sua música. Boyce nasceu em Londres, viveu entre 1711 e 1779, situando-se na época da música barroca. Não terá sido dos maiores expoentes da música hoje chamada de clássica mas, tendo sido organista, ensurdeceu ao ponto de passar apenas a compor. São bem conhecidas as suas 8 sinfonias e, para quem estiver menos avisado, recomendo vivamente que ouçam a sua música. Traz-nos uma grande sensação de calma espiritual e, ao mesmo tempo, de alguma tristeza. Talvez fossem estes condimentos que a jovem apaixonada do filme precisasse naquela altura.
Curiosamente estou a escrever este texto ao som, não de William Boyce mas de Arvo Part, compositor contemporâneo estoniano, pós-moderno, nascido em 1935 e ainda vivo. As suas composições, minimalistas, são muito belas e amplamente reconhecidas. Estou a ouvir a sua Ode nº 1, mas poderia estar a ouvir outra qualquer. Oiçam também Arvo Part e verão que não se arrependem.
Ambos os compositores, tão diferentes nas suas expressões e nas suas épocas, compuseram melodias tão íntimas e, por vezes, tão tristes que nos recordam um pouco os nossos sentimentos de saudade e amargura.
Estava disposto, hoje, a corporizar o meu post com um novo poema de minha autoria de que muito gosto. Mas depois de recordar os temas musicais que refiro atrás, optei por transcrever pequenos extratos poéticos de grandes autores portugueses que nos inspiram esses mesmos sentimentos de saudade e, talvez, amargura.
Começo por Rómulo de Carvalho (António Gedeão):
(DE SAUDADES DA TERRA)
Uns olhos que me olharam com demora,
não sei se por amor se caridade,
fizeram-me pensar na morte, e na saudade
que eu sentiria se morresse agora.
E pensei que da vida não teria
nem saudade nem pena de a perder,
mas que em meus olhos mortos guardaria
certas imagens do que pude ver.
……………………..
……………………..
Triste de quem não tem,
na hora que se esfuma,
saudades de ninguém
nem de coisa nenhuma.
Passo ao atualíssimo Pedro Mexia:
VAMOS MORRER
Vamos morrer, mas somos sensatos,
e à noite, debaixo da cama,
deixamos, simétricos e exactos,
o medo e os sapatos.
Já agora, permitam-me que acabe com um extrato de um poema meu. Não por vaidade mas, talvez, por necessidade:
(DE AS ROSAS QUE TU ME DESTE)
……………….
……………….
Que pena eu tenho
De não te poder jurar
Que sempre te hei-de dar
Rosas, muitas rosas,
Todas amarelas
Até o mundo acabar.
Oiçam música, uma música qualquer e leiam poesia, uma poesia qualquer, para encher a alma e, no fim, nos restar a alegria.
Dois temas, de que gosto muito. Quase que indissociáveis…! Sem música de fundo, permitam-me a ousadia, de poetizar também um pouco :
Quisera eu subir aquela montanha
Lá ao longe, de neve e rocha escarpada
Era fria e branca, em todo o seu tamanho
E lá, o vento me dizia de forma descarada
Que vens fazer aqui com tanta ousadia ?
Pobre tolo, senta-te agora aqui e aprecia
O que lá em baixo não podes enxergar
Tanta gente a correr, e ninguém a trabalhar …!
R,F.
GostarLiked by 1 person