Não é fácil dissertar sobre este tema nos tempos que correm. Acho mesmo que nunca foi fácil. Sobretudo por parte de quem não tem conhecimentos com profundidade necessária para debater o assunto em todas as suas vertentes. Assumamos , portanto, este texto como a veleidade de um cidadão normal na abordagem de um tema pelo qual possa nutrir interesse e ter acumulado ideias.
Ser militar sempre foi uma condição de vida, de ser e de estar, muito especial. Os militares não são diferentes dos outros cidadãos: têm os mesmos sonhos, as mesmas limitações, as mesmas ambições, as mesmas preferências mas, de uma forma geral por escolha própria, são militares.
É uma condição de vida, uma condição própria que confere uma perspectiva especial a quem a assumiu. Os civis nunca aceitaram, com total franqueza ou simpatia, as especifidades militares. Nem aqui, nem em qualquer país do mundo civilizado esta discussão é anódina. Os militares são, no entanto e apesar de tudo, lembrados em imensas condições especiais, alturas em que as críticas favoráveis ou desfavoráveis se multiplicam.
Entre nós estão a diluir-se, aos poucos, as gerações de militares e de familiares que estiveram envolvidos em guerras reais e dolorosas . Durante toda a década de 60 do século passado e em grande parte da de 70, muitos militares de profissão e muitos milicianos foram chamados a cumprir longas e desgastantes comissões no ao tempo chamado ultramar, comissões que muitos cumpriram por 3 ou 4 vezes, em períodos de 2 anos cada. Foram, no mínimo, duas gerações muito marcadas por factos cuja razão de ser era, como se viu e hoje bem se sabe, indevida, injusta e desnecessária. Muitos por lá morreram, outros regressaram com gravíssimos problemas pessoais de que ainda não se libertaram, os familiares continuam a recordá-los mantendo, latente, um luto perpétuo. Uma desnecessidade histórica, prejudicial para o país mas levada a cabo por homens (naquela época não havia mulheres nas Forças Armadas) que, disciplinadamente, cumpriram o que lhes foi determinado. Houve muitos jovens que não aceitaram os princípios impostos e recusaram a mobilização. Procederam de formas diversas e, ao longo das suas vidas, os novos acontecimentos vieram a recuperá-los e a incluí-los em setores de atividades para os quais o país mais deles precisava. Foi a condição militar que esteve em jogo, ou em causa, mas que se ultrapassou a si própria e sempre soube surgir como exemplo de abnegação, de moderação e, em muitos casos, de exemplo. As hierarquias acabaram por ser discutidas e a necessidade imperiosa de retomar a clareza das Forças Armadas, não pôr em causa a condição militar, deram origem a uma revolução cujo objetivo foi, como se viu, remover o sistema inviável e desacreditado que persistia no poder e criar um opção democrática, nova para o país. Foi o que aconteceu, sem violências perigosas, com erros cometidos mas com resultado final globalmente positivo. Houve quem não apreciasse o novo sistema, mas a maioria da população a ele aderiu. Sistema que até hoje se mantém, com as evidentes e necessárias correções.
Este é o caso português mas, por todo o mundo, as recriminações, os debates, as complexas apologias da paz ou da guerra são semelhantes, variando apenas nas escalas dos diversos países. Os americanos não esquecem o Vietnam, o Iraque, o Afeganistão, os muitos locais do mundo por onde têm tentado desempenhar o papel de polícias do mundo. O Cemitério de Arlington é a cicatriz coletiva de uma sociedade patriótica mas muito sofrida e magoada.
A Europa não esquece os tremendos incidentes dos países balcânicos, mesmo ao seu lado, os ódios e mortandades que por lá campearam e que talvez não estejam completamente resolvidos. As atuações militares que ali se verificaram nada têm a ver com o normal desempenho de forças em combate, mas foram muito mais o desembainhar de ódios eternos e o rasgar de convenções e tratados. A condição militar foi ali severamente ultrajada.
Vive-se, desde há décadas, o pavor e a permanente ameaça do terrorismo. As forças militares de todo o mundo têm sido convocadas para essa luta desigual, nunca acabada nem ganha. Embora internacionalmente os países tenham desenvolvido redes sofisticadíssimas de prevenção, controlo e monitorização de situações, a luta deixou de ser convencional e as ações surgem, muitas vezes, onde menos eram esperadas. Mais uma vez os militares são chamados. Aprendem novas técnicas, usam novos meios, mas a eficácia nunca poderá ser total. É essa a natureza própria do terrorismo, em confronto com todos aqueles que não esquecem a sua condição militar e por ela se oferecem, muitas vezes correndo risco de vida.
Como em todas as instituições ou atividades coletivas civis, sempre se distinguirão os que melhor cumprem ou resolvem os problemas decorrentes do velho aforismo “o homem e a sua circunstância”. Os ambientes em que se movimentam podem, muitas vezes, condicionar a sua própria evolução futura. Mas a condição militar deve ser sempre uma bússola orientadora dos seus comportamentos. Por esta razão, as críticas ou julgamentos apressados sobre factos militares, muitas vezes feitos por ignorância ou por condicionantes exteriores deslocadas desses mesmos factos, deveriam ser evitados. As hierarquias democráticas e a condição militar dos intervenientes são, por norma, os protagonistas interessados e essenciais para a boa resolução desses factos.
Entenda-se que só em democracia a especifidade da Condição Militar poderá ser exercitada e respeitada.
Condição militar…! Um assunto, que nos dias de hoje, nos deixa às aranhas, sem saber como iniciar uma opinião,.Sem ofender susceptibilidades de quem gosta e aprecia a disciplina, ou não aprecia e prefere reduzir-se ao pacifismo nem sempre coerente com a condição da defesa da Pátria e dos seus interesses. É sabido, que o mundo, não é pacífico, nem será em tempo algum. É descabido pensar, que só porque temos bons vizinhos, não necessitamos de forças armadas. O que hoje é bom, amanhã, poderá não o ser. De qualquer forma, a preparação das populações mais aptas, tem que ser considerada, sob o meu ponto de vista, como um dever de cidadania, como o é em qualquer outra situação. Que custa, sabemos todos nós, os que têm mais de sessenta anos, mesmo aqueles que nunca foram mobilizados, para a defesa dos interesses estabelecidos na época. A minha experiência de vida, leva-me, por vezes, a desvendar um pouco da minha existência, que sem querer alongar-me, entendo enriquecer um hipotético diálogo, dando vida a opiniões. E sobre o gostar ou não gostar de ir à tropa, como é habito dizer-se, tive a oportunidade de viver um episódio que me mobilizou cerca de três anos, de uma vida ainda verde, antes orientada para outros rumos destinados a concretizar outros sonhos, além Atlântico…! A mentalidade dessa época, ainda não longínqua, recordo bem, levava as populações do interior, a festejar o novo ciclo de vida dos mancebos, que tinham a sorte de serem aprovados para todo o serviço militar. Era uma condição de ser homem emancipado …! Se bem que me enchesse de orgulho, o poder servir a Pátria, ele não deixava de me causar angústias por cercear um projecto de vida. Por ter tido o azar de voltar a Portugal e deixar-me fazer os 18 anos em solo pátrio. Barreira mais que suficiente para não poder sair do país e não poder refazer a vida já planeada e iniciada, até que os sonhos se esfumaram no tempo. E este povo, que em Trás os Montes e Beiras festejava as sortes, já em Lisboa, senti uma facada no meu espírito, ao ouvir um comentário de uma mulher para a outra, com voz de peixeira e um olhar de desprezo , apontando-me o dedo: ” Olha ! Aquele vai a sorrir…! É voluntário, com toda a certeza “…! E com estas palavras de um certo povo, a ressoarem-me no cérebro, com a vontade de lhe fazer engolir as suas conjecturas, deixei-me seguir na minha marcha, ainda sentindo o calor e a ternura dos abraços de meus pais e irmãos, e as suas lágrimas a refrescarem-me a cara. Angustiado, entrei para bordo do navio cargueiro Moçâmedes, que me levou numa lenta e enfastiante viagem de 20 dias, através do Suez, até à longínqua Goa. Já nada tinha a haver com a 1ª classe do velho Serpa Pinto, nem do seu rumo a 180º…! E esta, foi a minha Condição Militar, que cumpri por obrigação. O resto, seria um livro de memórias que nunca escreverei…!
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