Porto Rico e L. Bernstein

Vi recentemente na BBC PROMS um dos seus habituais festivais de verão no Royal Albert Hall de Londres,este de 2015, consagrado ao compositor Leonard Bernstein, integrando muitas das suas mais famosas composições. Uma das que foi mais cantada pelos excelentes artistas convidados (Louise Dearman e Julian Ovenden), acompanhados pela orquestra de John Wilson e o coro Maida Vale, foi, como não podia deixar de ser, o West Side Story (além de On the Waterfront, Candide e 1600 Pennsylvania Avenue). O serão transportou-me, de novo, à versão moderna do Romeu e Julieta, desta vez com a Maria e o Tony que, desde 1961, relembramos na inesquecível versão cinematográfica. Os gangues nova-iorquinos, a velha disputa com os porto-riquenhos, as suas rixas, as suas músicas, as suas paixões e a sua paixão maior que, como no Romeu e Julieta, acaba dramaticamente com a morte. Como disse um crítico daquele tempo: “Lindo de morrer!”
Leonard Bernstein foi um compositor magistral mas não é dele que vou falar hoje. Ao rever aquelas peças musicais, numa morna noite de verão algarvio, apeteceu-me revisitar o drama permanente dos porto-riquenhos, nativos de uma terra maravilhosa, dependente dos Estados Unidos, mas cuja história sempre tem sido de confrontos e projetos políticos inalcançados.
Onde está hoje esse paraíso? Como diz Nicolas Bourcier, enviado especial do Le Monde em San Juan, “Há qualquer coisa de podre no reino de Porto Rico. Mesmo sob um sol esplendoroso, com praias maravilhosas, os supermercados cheios, estradas bem conservadas, consegue-se vislumbrar uma paisagem tropical em luto de exuberância”.
O tremendo êxito do “Despacito”, cujo videoclip foi rodado nas ruas de San Juan e o mais visionado na história da internet, não consegue disfarçar o ambiente deprimido que se vive. A ilha, que já foi apelidada de “Jóia das Caraíbas”, é hoje uma sombra do que já foi. Quase incompreensível para um território não incorporado nos Estados Unidos, designado por “Estado Livre Associado”, segundo a terminologia oficial (à semelhança da ilha de Guam, no Pacífico).
Em San Juan passa-se rapidamente de zonas e bairros turísticos para conjuntos de imóveis abandonados. As escolas esperam por alunos que não chegarão. O referendo realizado a 11 de junho, sobre o futuro da ilha não conseguiu reunir mais de 23% de eleitores. Mesmo os que pertencem ao grupo dos “independentistas”, que rejeitam o estatuto tão particular de estado associado dos Estados Unidos, pensam em instalar-se na América. Esta realidade criou em Porto Rico uma crise económica e financeira sem precedentes. Na realidade, uma falência total. Alguns números espelham esta situação: 3,5 milhões de habitantes; uma taxa de desemprego de 11,5%; 46% de pessoas a viver abaixo do nível mínimo de pobreza. Um terço das atividades económicas não são declaradas, 30.000 pessoas sem abrigo inundam as ruas da ilha. Esta crise gerou um êxodo maciço de emigração para os Estados Unidos. Fala-se de 1500 porto riquenhos que partem todas as semanas. Compara-se Porto Rico à cidade de Detroit quando da crise financeira de 2013 que ficou ao abrigo da lei americana das falências. Ou como a Grécia (e não só) que recorreu ao apoio do FMI. Mas qualquer destas soluções não é aplicável a Porto Rico. O país não é um município mas sim “um estado livre associado” dos Estados Unidos, desde 1952 depois de meio século de colonização direta.
O estatuto de estado associado garante aos porto-riquenhos os mesmos direitos dos cidadãos americanos: passaporte, deslocações, trabalho, tudo menos votar para a Presidência dos Estados Unidos ou designar representantes ao Congresso. Porto Rico tem uma constituição, elege o seu próprio governador, vota para as primárias democratas e americanas mas, para a Câmara dos Representantes, faz-se representar por um Comissário Residente que não tem qualquer direito de voto.
Por isso qualquer porto-riquenho pode apanhar um avião e, por 130 dólares, instala-se nos Estados Unidos passando a dispor de todos os direitos dos cidadãos ali nascidos.
Há partidos políticos que se batem pelo estatuto de independência mas sempre têm encontrado outros partidos que se opõem a esse desígnio. Os interesses exteriores continuam a ter a força do costume. Todas as veleidades independentistas foram historicamente derrubadas. Após a segunda guerra mundial dois nacionalistas porto-riquenhos tentaram assassinar o Presidente Harry Truman. A constituição de 1952 foi aclamada por 82% de porto-riquenhos e as plantações de cana de açúcar e café foram substituidas por fábricas de texteis, eletrónica e, mais recentemente, farmacêuticas. Aconteceu o costume: os agricultores do interior vieram para as cidades, os salários foram baixando e o nível de vida foi subindo.
Como se percebe, este estilo de vida política não se poderá prolongar por muito tempo mas suspeita-se que este caso não será, mais uma vez, prioridade da Presidência e do Congresso.
Mesmo depois do êxito mundial da fantástica música “Despacito” e de todos os antecedentes que Bernstein também retratou nos seus musicais, não há certezas quanto ao futuro de Porto Rico. Em Maio, a Congresso aprovará, contra a opinião de Trump, um enorme envelope financeiro para manter temporariamente o sistema de saúde em funcionamento.

Era bom que este pedaço de História se resolvesse, mas suspeitamos que vai ser… “Despacito”.

Um pensamento sobre “Porto Rico e L. Bernstein

  1. De facto, um excelente festival da BBC Proms, sempre tão bem organizado, e sempre com interpretes fabulosos. Que melhor sítio para homenagear Leonard Bernstein, que não o Albert Hall ? Refiro-me à Europa, como é evidente, pelos habituais finais sempre mais despidos de preconceitos…! Vozes maravilhosas das duas interpretes, de que desconhecia os nomes, e o coro de perfeita sintonia. Tudo, num espectáculo de elegância e beleza. E que melhor forma de demonstrar toda aquela maravilhosa actuação, do que a satisfação estampada nos rostos dos músicos, ao acompanharem os ritmos variados de West Side Story ? E ” Maria ” foi-nos ficando, mais uma vez, colada ao ouvido. Foi, realmente um espectáculo difícil de esquecer ! Também, Bernstein, ficou-nos na memória desde os seus programas de há muitos anos, na RTP.
    Pois é, amigo Manuel José ! Depois desta maravilha, cujo tema, espero bem continue a ser um dos pontos de grande interesse deste Blog, como tantos outros já conversados, e ainda outros arrecadados nos cantos desse seu sotão escondido algures, o que se poderá dizer ? E a América, que tanto nos ofereceu, com o seu potencial dinamismo no campo da música ligeira, muito foi buscar às emigrações de uma América Latina, com as suas alegrias, lamentos e romantismos, e à dolência dos cântigos dos escravos negros, sempre tão vincadamente presentes na música moderna. Uma miscelânea, que Bernstein, muito bem soube conjugar e enriquecer. E há, quem já tenha feito a pergunta, sobre como teria sido o musicall americano sem todas estas influências, apenas com a original influência Anglo-Saxonica ?
    E seria bom, que a América nunca se esquecesse de quanto deve, a todos os seus amigos pan-americanos, a sua grandeza e a paz que sempre usufruiu no seu território…! Seria bom, que todo o povo americano se interrogasse, porque Detroit, a grande Meca da indústria automóvel, que chegou a ter dois milhões de habitantes, estivesse agora resumida a pequenas cidades fantasma dos subúrbios, e reduzidos a pouco mais de setecentas mil almas…! Algo vai mal, na 1 600 Pennsylvania Avenue. Washington DC…! Aliás, algo vai mal em todo o mundo civilizado…!

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