APRECIEMOS A ALTA POLÍTICA E O FUTEBOL
Um interessante artigo publicado pelo Le Monde no passado dia 14 de Setembro, da autoria de Benjamin Barthe e Rémi Dupré, identifica-nos com a terrível realidade do futebol atual e atemoriza-nos quanto ao futuro do desporto no mundo, no que respeita ao que as nossas gerações de praticantes, treinadores e gestores viveram, sonharam, sofreram para darem vida, ao fim e ao cabo, a um monstro devorador e poderoso que ultrapassa as barreiras de tudo o que já se suspeitava.
Vou incluir neste texto apenas extratos do artigo mencionado, suficientes para se perceber o enredo a que assistimos e que, por vezes, não entendemos bem.
Recomendo aos interessados que leiam o artigo completo, para melhor se identificarem com as organizações e com as pessoas das quais tantas vezes se ouve falar. Vamos a isto.
“A dispendiosa estratégia do Paris-Saint-Germain no mercado de transferências foi impulsionado pelo emir do Qatar, proprietário do Clube, decidido a ocupar terreno mediático, na altura em que o seu país está em conflito com os seus vizinhos do golfo. O emir Tamim Ben Hamad Al-Thani, de 37 anos, através dos Fundos Qatar Sport Investments (QSI) está disposto a confrontar-se, por todos os meios ao seu alcance, com os países da região e com toda a política internacional. E, como diz o Diretor do Observatoire du Qatar, o futebol é a segunda religião do médio-oriente. Se a equipa nacional não brilhar, o PSG fá-lo-á. E Tamim poderá sair aparentemente vitorioso.
Depois da humilhante derrota diante do Barcelona por 1-6, em 8 de Abril, o emir apareceu no centro de estágios do Clube e fez uma longa visita guiada. O momento era difícil e esperava-se que tipo de reação iria ter. Nenhum dirigente, nem treinador foram afastados. A questão prendia-se com a necessidade de jogadores. E no mês de Maio veio a ordem: “Estou-me nas tintas, desenrasquem-se com os regulamentos, mas façam explodir a banca! É preciso qualquer coisa para reabilitar o Qatar, dar-lhe uma imagem positiva!” E essa “coisa” foi a compra do jogador Neymar ao Barcelona pela quantia obscena de 222 milhões de euros. Juntou-o a outro avançado famoso, Cavani, a médios de primeira linha como Draxler ou Angel Di Maria e ordenou a compra ao Monaco de Kylian Mbappé, de 18 anos, através de uma operação de empréstimo, pelo facto das regras do Fair Play Financeiro da FIFA impedirem, aparentemente, tal volume de transações. Mbappé foi “emprestado” com uma opção de compra de 145 milhões mais 35 milhões de bonus, a concretizar em 2018. Clubes históricos como o Real Madrid, Barcelona e Juventus contestaram este procedimento de novo-rico mas as consequências são limitadas. Daqui, o emir passou aos direitos de transmissão televisivos. A cadeia BeIN Sports, lançada em França em 2012 e financiada pelo Qatar, perdeu os direitos de transmissão das Ligas para o período de 2018-2021. O Grupo SFR Sport, propriedade do Grupo Altice de Patrick Drahi (já nosso conhecido em Portugal), ficou com essa concessão pagando 350 milhões de euros anuais.
A derrota com o Barcelona, “sponsorisado” pela Qatar Airways, foram duros golpes que o emir não gosta de suportar.
Na realidade, todas estas tomadas de posição são modalidades de alternativas “políticas” para as represálias de 5 de junho, quando a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes Unidos, acompanhados pelo Bahrein e pelo Egipto decidiram fechar as fronteiras terrestres, aéreas e marítimas com Doha. A mini-monarquia ficou isolada no Golfo, pelo facto de ser acusada de apoiar os terroristas islâmicos e de se relacionar com os ayatollahs iranianos. O bloqueio destes países impede, inclusivamente, a chegada de materiais para as obras do campeonato do mundo de futebol de 2022, organizado pelo Qatar e tão comentado nos bastidores da corrupção da FIFA e de outros organismos. O Qatar é o primeiro país que organiza um campeonato do mundo sem nunca ter ganho nenhuma série eliminatória dessa prova.
Mas percebendo que os países ocidentais não participavam no bloqueio, o emir decide aumentar os seus negócios com o ocidente e, claro, com o Irão. Do Irão chegam-lhe todos os aprovisionamentos necessários, aos Estados Unidos encomenda cerca de 30 caças F15 (por 12 milhões de dólares) e da Turquia chega uma primeira fornada de soldados turcos para a base que este país instalou no Qatar em 2015.
A operação PSG/Neymar enquadra-se, portanto, nesta reviravolta política engendrada por Tamim. Entretanto, no PSG, o diretor de futebol, o holandês Patrick Kluivert, é despedido e substituido pelo português Antero Henriques, antigo diretor desportivo do F.C. do Porto. A este junta-se o ex-jogador brasileiro Maxwell. São profissionais muito conhecedores do terreno e dos bastidores e não demorou muito que Antero Henriques fizesse um acordo com Jorge Mendes e a sua Gestifute que, em 2016, tinha uma folha de clientes estimada em 727 milhões de dólares. Chega, a seguir o agente de futebol israelita Pini Zahavi, muito próximo do clã Neymar. Já em 2003 Zahavi havia contribuido para a compra do Chelsea de Londres pelo oligarca russo Roman Abramovich.
Claro que o PSG está na alçada das exigências europeias do equilíbrio financeiro, mas outro detalhe interessante é que a Nike que patrocina Neymar e agora o PSG (13 dos 24 jogadores do clube são por ela patrocinados), vendeu 120 000 camisolas com o nome do Neymar, em 30 dias, e passará a pagar 25 milhões de euros por época ao clube.”
Não há dúvida que, politicamente, o ocidente não abandonará o Qatar e as suas boas relações com o Irão. Já esta semana o Presidente Macron teve oportunidade de se pronunciar sobre a revisão “do conflito desnecessário no Golfo”.
Não nos espantemos, portanto, com as verbas obscenas e aviltantes com que se transferem jogadores de futebol. Isso pode ser, como aqui se deixa entrever, uma gigantesca jogada política ou de outro qualquer cariz. Dificilmente será uma operação exclusivamente desportiva. Vem-me à memória o terrível momento que o nosso lisboeta Atlético Clube de Portugal está a passar na comemoração dos seus 75 anos de vida. Não haverá um emir interessado?…
Sinceramente, sinto-me um pouco atordoado com a rocambolesca, obscena e revoltante dança dos milhões. E, o futebol de hoje é isto mesmo, nestes nossos dias conturbados, de uma paz podre, talvez esquizofrénica, sem tendência para melhoras. Estaria a mentir, se dissesse, que o futebol não é comigo. Desde muito pequeno, gostei sempre de ver a minha Académica, jogar no velho campo de Santa Cruz, em Coimbra. E por falar de futebol, que é disso que estamos a conversar por escrito, os meus queridos jogadores/doutores daquela época, ainda tinham que queimar as pestanas, para se prepararem para a vida. Que saudades, daqueles insultos ao árbitro, tão ingénuos e sentidos. Tudo era verdadeiro. Não era espectáculo e muito menos política…! Ah…! Ainda guardo o emblema de prata, oferecido por um primo meu, que me levava ao futebol e que eu ostentava na lapela, com aquele brio de vencedores, mesmo que a Briosa perdesse…! Também naqueles tempos, no meio dos entusiasmos desportivos, pairavam no ar as notícias da BBC, sobre as aterradoras bombas voadoras a atravessar o Canal da Mancha, com destino a Londres…! De qualquer forma, pelos capítulos da história que vivi, também me sinto um privilegiado…!
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