18 DE DEZEMBRO: 1916 E 1961

Ouvi hoje uma crónica na rádio abordando o facto histórico do fim da batalha de Verdun, 18 de Dezembro de 1916. A Primeira Guerra Mundial foi, realmente, uma carnificina e um calvário e aquela batalha foi, sem dúvida, um marco irreparável para os povos europeus. Isto passou-se há 101 anos e nenhum participante desse flagelo constará já do número dos vivos. A recordação daquela data merece encómios até para que, pedagogicamente, as descrições possam servir para tentar evitar situações análogas no futuro. Infelizmente não é o que se tem verificado. Muitas outras desgraças têm acontecido, desgraças sem conta, marcas irreparáveis do desnorte dos homens.

Achei, no entanto, que poderia também ser lembrado o nosso 18 de Dezembro de 1961. Faz hoje 56 anos que Goa, Damão e Diu foram ocupados pela União Indiana, ocupação só reconhecida por Portugal em 1974.  Muitos dos homens que lá se encontravam ainda estão vivos, cada um com a sua própria história,  e muitos relatos têm sido feitos desse dia e dos que se lhes seguiram. Não é meu objetivo, hoje, regressar a esse tema,  mas seria útil para as duas gerações que já apareceram depois de 1961 perceberem que nessa data se verificou uma das maiores traições que alguma vez um governo de Portugal impôs às suas Forças Armadas.  Sabendo, antecipadamente, a data da ocupação que a própria União Indiana divulgou pelos canais diplomáticos, reduzindo a mínimos operacionalmente abjetos as disponibilidades das suas Forças Armadas no terreno, renegando as inúmeras oportunidades de diálogo entre Estados que lhes haviam sido propostos e, em última instância, informar, por escrito, que só se admitiria na “Índia soldados vencedores ou mortos” não é apenas uma ato  desprezível,  é um ato de traição ao país e às suas Forças Armadas. Responsáveis que continuaram no poder até ao 25 de Abril de 1974. Com exceção do Presidente do Conselho de Ministros que morreu em 1968. Lembrar esta abjeção deveria ser uma obrigação por parte dos cronistas desta época.

Em 1962 foi publicado um livro, da autoria do famoso Capitão Marques Pereira, a que chamou “Índia Portuguesa – Penhores do seu Resgate”. Esse livro teve um Prefácio da autoria do Presidente da República à data,  Almirante Américo Tomás, que escrevia, a dado passo: “Como e quando voltaremos à Índia, não sabemos. Só sabemos que havemos de voltar”.  E, dessa vez, acertou. Realmente voltámos à Índia, desempenhando o papel de parceria e amizade que sempre tinha sido praticado ao longo dos anos. Muitos dos que lá regressaram,  como eu próprio, 50 anos depois da ocupação, foram excelentemente recebidos e pudemos confirmar o aumento muito significativo de alunos que se matriculavam para aprender português. Os monumentos estão preservados, as ruas ainda têm os nomes portugueses, embora com as traduções, e o relacionamento pessoal e institucional foram elogiadíssimos. Em 2013 tiveram lugar, em Goa, os terceiros Jogos Olímpicos da Lusofonia, iniciativa do Comité Olímpico de Portugal, com a primeira edição em Macau, em 2006 e a segunda, em 2009, em Lisboa. A esses Jogos compareceram todos os países de língua oficial portuguesa e foram, sucessivamente, muito bem sucedidos.

Adriano Moreira também escreveu um texto para esse livro de 1962 em que dizia: “Um dos primeiros actos dos invasores de Goa, foi destruir a estátua do Infante D. Henrique. O simbolismo profundo deste vandalismo traduz-se na completa rejeição de qualquer mensagem do ocidente.  Mas como a presença do humanismo que negam, onde está viva é no coração dos homens, o dia dessa destruição marca o início do calvário do espírito que vai seguir-se.

Que quereria ele dizer com esta última frase? Calvário do espírito ou dos portugueses que ainda vieram a morrer em África? Não se sabe e não sei se alguém já lhe perguntou. Passados todos estes anos já não deve valer a pena perguntar-lhe.

Desculpem ter-vos maçado,  mas nas manhãs do dia 18 de Dezembro, todos os anos, recebo um telefonema de um grande amigo,  para nos felicitarmos mutuamente. Somos os únicos ainda vivos da lancha que, naquele dia de 1961, me coube comandar.

Um pensamento sobre “18 DE DEZEMBRO: 1916 E 1961

  1. Salazar teve muitas oportunidades prévias para conseguir que Portugal saísse da Índia pela porta grande. Como aconteceu em Macau. Não aproveitou nenhuma delas devido às suas concepções anacrónicas sob “o nosso império colonial” e à sua aversão à expressão livre da vontade popular. E a recomendação às forças militares de vencerem ou morrerem, de quem está no recato do palácio de S. Bento, só pode vir de alguém que deseja a glória com o sangue dos outros !

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